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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 301)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 28 de dezembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Quem foi?

Lydia Federici

Andar elas sabem. E como. A graça é inata. Agora, então, que o uso das sandálias, dos saltos mais comedidos, lhes despreocupa o equilíbrio, é um prazer vê-las deslizar. Porque moça brasileira não anda. Desliza apenas. Com suavidade. Com extrema doçura. Os pés pequenos palmeiam o chão. Bem de leve. Ou mal o afloram. Em silêncio. Enquanto o corpo avança, não há como deixar de imaginar uma música. A cujo compasso todas suas curvas ondulam. Numa harmonia perfeita.

Sim. Não há, por aqui, menina, mocinha ou moça morena que, movimentando-se, deixe de encantar. Pela dança do andar. Pode ele ser dolente. Arrastado. Ou vivo e apressado. Quase saltitante. O encantamento persiste. Em qualquer ritmo. O que cursos, professoras, conselhos, métodos, procuram eliminar, corrigir, arredondar ou salientar em moças de outras terras, a natureza já dá às brasileiras dengosas. De sobra. Para jogar fora.

Mas há outra coisa que elas não sabem fazer. É sentar-se.

Já repararam? Assentos anatômicos não resolvem o caso. Cadeira, poltrona, sofá, divã, banco, tamborete, são móveis sentáveis que desmoralizam a elegância da moça brasileira. Inclusive os naturais brotos santistas. Elas são sonhos deslizantes até o momento em que se defrontam com qualquer desses móveis. Quando largam o corpo redondo sobre o assento de uma cadeira dura, sobre a espuma macia de um sofá, adeus encantamento. Sentam pra valer. O vizinho do apartamento de baixo ouve o impacto. As paredes ecoam. Todas as molas, garantidamente silenciosas, gemem.

Se a saia é roda, há um rodopio esvoaçante de cinco anáguas. Varrendo o rosto dos que já estão sentados. Se a saia é colante, além da curvatura desgraciosa e forçada do movimento inicial, há um reajuste impaciente e irritante que se repete de minuto a minuto. Um repuxar contínuo de uma coisa curta que, não sendo esticável, não pode, logicamente, aumentar de comprimento.

Além disso tudo, não há encerado que resista nem tapete que pare no lugar. Até forração bem pregada acaba por franzir-se. Por ser espichada. Pés impacientes, pernas que se cruzam e descruzam, conseguem esse impossível.

E há mais. A postura do corpo é feia. Não é só a parte expressamente feita para sentar-se que ocupa a poltrona profunda. As próprias costas sentam-se também.

Por todas essas razões é que pergunto: quem foi a professora de Taís? Quem a ensinou a sentar-se? Como pode essa garota santista ser tão encantadora sentada quanto deslizando? Como consegue ela dobrar o corpo com tanta discrição? Sentar-se de forma tão silenciosa? Conservar as costas tão graciosamente eretas? Não forçadamente empertigadas, afrontosamente duras como costas de princesa britânica. Mas tão naturais como caule de palmeira? Como consegue ela, apesar da saia justa, manter a bainha sempre no mesmo ponto? E ter os joelhos tão quieta e recatadamente juntos? Quem foi a professora de Taís? Preciso recomendá-la aos outros brotos.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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