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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 297)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
22 de dezembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Cinquenta por cento
Lydia Federici
Não há como escapar. Apesar das aparentes belezas deste fim de ano, não há despreocupação e alegria a morar em cada
casa, não. O dinheiro que despenca os bolsos dos pais, as notas que estufam as bolsas das mães, não estão, infelizmente, dando para comprar grandes coisas. Que, se o dinheiro é farto, muito maior é o preço de qualquer bugiganguinha.
Será isso que aflige os corações de toda gente? Em parte, é. Mas, se não se pode comprar uma boneca de vinte mil, uma pequenina bruxa de dois mil vai atender ao pedido de "mães" carinhosas. Afinal, mesmo de mentira, filho é filho.
E então?
Então o problema não é esse. É outro. Outro que, a surgir a cada fim de ano, se não estraga, por completo, as festas de Natal, não deixa, entretanto, de preocupar a qualquer mãe de família. Mãe ou pai. Que tenha um filho ou filha matriculado numa
escola qualquer.
Fim de ano é época de atropelo. De atropelo escolar. Para milhares de crianças, há o caso dos exames de admissão. Para o fã de Pelé, essa seria a única preocupação. Para os pais do fã de Pelé é mais um espinho entre tantos outros. O garoto não
estuda. Sua mãe, em compensação, sim. Como quem presta o exame é o guri e não a mãe, o resultado, em geral, é reprovação. Ele não liga muito. Mas ela, à noite, nervosa, não dorme. Durante o dia, arrumando a casa, fazendo compras, mói e remói o
problema. Sem conseguir digeri-lo. E dá essa infernança que anda por aí. Traduzida em nervosismo. Em desgosto. Em aborrecimento duro de aguentar como mil alfinetadas seguidas.
Mas o exame de admissão ainda não é nada. Afinal, há a ilusão de um sucesso na segunda chamada. Embora isso exija mais decoração, mais estudo, mais cabeça inchada, a esperança que fica não inferniza por completo as férias que virão.
O que dói de verdade é a bomba. A bomba irremediável que estourou na cabeça dos estudantes secundários. Sabe lá o que é perder todo um ano? Um ano a mais de despesas de matrícula, de mensalidades, de condução, de material escolar? Fica numa fábula.
E tudo por que? Por causa de uma cabeça oca. Que, burramente, ainda não se convenceu que, agora, não há mais a salvação do exame oral. Nem a aplicação final e quase decisiva da última prova. Estudante que não aprende a primeira lição do primeiro
dia de aula está meio perdido. Promoção se garante durante todo o ano. Dia a dia. Mensalmente. E não apenas num esforço desatinado de última hora.
Cinquenta por cento dos estudantes de ginásio, do clássico, do científico, levou bomba. Isso quer dizer que cinquenta por cento das famílias que têm filhos a estudar nos cursos secundários têm toda a razão de roer as unhas. Com desespero. Para
essas, nem Papai Noel conseguirá um bom Natal. No fundo, no fundo, existirá essa tristeza doida. De um ano estupidamente perdido.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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