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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 292)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
16 de dezembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE O carteiro
Lydia Federici
Não sei se o Departamento de Correios e Telégrafos exige muitos requisitos dos que pretendem ser carteiros. Hão de ter
saúde, evidentemente. E boas pernas. Que um homem fraco ou coxo dificilmente aguentaria as andanças. Andanças diárias. Sob sol e chuva. Entanguido pelo frio. Com a mioleira, sob o quepe, a derreter com o calor do verão.
É mais do que lógico, também, que, além de alfabetizado, ele deva ter um pouco dessa extraordinária capacidade de decifrar garranchos. Como todo bom farmacêutico que se preze. Por que? Ora, por que. Não é só gente de caligrafia bonita que se põe a
escrever cartas. Ou sim?
Quer-me parecer que esses serão os predicados essenciais. Ah! Esquecia-me. O homem tem que ser honesto. Recebeu, entregou.
Dito isso, vamos à história. À história de um menino gaúcho. Batizado com o nome de Pedro. Quando cresceu, Pedro cismou de ser carteiro. E foi. Suas primeiras cartas foram entregues às famílias gaúchas de sua terra. São Borja. A histórica São
Borja.
Acontece que Pedro não olhava apenas o endereço das pessoas a quem deveria levar notícias. Gostava de decifrar os carimbos. Sempre mal batidos sobre os selos. Como era grande o mundo. E nele, quantos nomes fascinantes. Um deles tirou-lhe o sossego.
Amazonas. Para sossegar, Pedro deu um pulo de Sul a Norte. Virou carteiro amazonense.
Sempre curioso, continuou a investigar carimbos. Um belo dia, amanheceu em São Paulo. O cheiro do mar, atravessando a serra, obrigou-o a vir para Santos. Até quando aqui ficará é coisa que ele próprio ignora. Mas, enquanto ficar, aproveitemo-lo
bem. É o carteiro mais simpaticamente carteiro que o Departamento poderia ter encontrado. Essa prenda serve ao bairro do Boqueirão. E é uma das alegrias do bairro. Das mais puras.
Pedro é moço ainda. Magro e agitado. Um perfeito velocista. Entre um e outro portão, corre como um danado. O tempo economizado nas corridas é todo desperdiçado a seguir. Quando, nas casas sem caixa de correspondência, ele descobre um rosto ansioso.
"Muito bom dia, dona Amália. Como tem passado? Não. Hoje nada. Não se preocupe por enquanto. A conta do dentista vai vir mais tarde. Um dia muito feliz para a senhora, é o que lhe desejo. Com sua licença. Vou andando".
Não anda. Corre. Voa. Pra ter tempo de parar ali adiante. E dizer à Tereza que a carta da Alemanha ainda não chegou. Mas chegará. Chegará. Assim que chegar, estará em suas mãos. Será um grande prazer para ele entregar-lha.
Assim é Pedro, o carteiro do Boqueirão. Junto com a correspondência, alegre ou triste, cheia de importância ou insignificante, o rapaz, de pernas rápidas e coração sem pressa, deixa um pouco de sua alegria. Quente e humildemente amiga.
"Não há nada hoje. Apenas esta manhã bonita". E vai correndo. No lugar de uma carta, deixa-nos a manhã. A gente fica feliz do mesmo jeito.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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