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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 291)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 15 de dezembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Suzi

Lydia Federici

Suzi saiu, há bom tempo, da infância. De uma infância que, graças sejam dadas, resumiu-se em época infantil mesmo. Com loucas correrias. Muitas brincadeiras. Poucas obrigações. Apenas as indispensáveis à idade. E só. Nada de unhas pintadas. Nem de vestidos vampirescos. Nem de outros avanços impróprios dessa doce fase de vida. Viveu como um verdadeiro e simples bichinho. Dormindo. Tendo hora certa para alimentar-se. Não escapando às indefectíveis vitaminas. É claro que teve, também, que aprender certas coisas. Mas só as absolutamente indispensáveis. Aprendeu-as bem. Com fácil docilidade. Sem dar mais que o trabalho normal exigido por uma educação razoável.

Hoje, Suzi é moça. Moça casadoira. Continua simples. E infantil. Um amor de criatura. Alegre e bem humorada. Mais do que lógico, portanto, que queiram casá-la. E Suzi vai casar. Tem que se casar. Está na idade certa. E, sendo bonitinha, saudável, rica, relativamente bem educada, esse problema não é de resolução ou de solução difícil.

Acontece apenas que Suzi pensa de um jeito. E os outros de outro. Para a família, o futuro noivo de Suzi causa preocupações. Não pode ser qualquer pelintra. Seu futuro marido, de acordo com o pensar unânime da família, há de ter as mesmas qualidades de Suzi. As mesmas condições, digamos assim, sociais. Isso a família discute. Rediscute. À saciedade. Aberta e francamente. Na sua frente. E Suzi, que diz?

Oh! Suzi não diz nada. Ouve apenas. Tenho até a impressão de que, na maior parte do tempo, ela nem toma conhecimento dos planos. Seus olhos castanhos sonham. Seu pensamento vai longe. Só quando ouve seu nome é que volta à sala. Sem grande interesse, porém. Já conhece, de cor, toda a ladainha. Mesmo assim, bem educada e gentil, olha para todos. A certos comentários, franze a testa. Num esforço de concentração. Ou então, se o tom é leve, amigável, esboça, marotamente, um meio sorriso de dentes muito brancos e bonitos. Mas falar, isso não. A língua não a perderá nunca. E, se insistem, de forma direta, ela disfarça com toda a astúcia feminina. Roda uma tampinha de cerveja. Sai da sala para ir beber um gole d'água. Ou então apoia a cabeça ruiva, com toda a meiguice e submissão, na criatura mais próxima. E esse carinho afasta a trovoada. Pelo menos temporariamente.

Ninguém me pediu a opinião. Mas acho que, no caso de Suzi, toda a conversa, todos os planos, todos os sonhos da família não passarão de conversa, de planos e de sonhos gorados. Já disse, lá em cima, que Suzi pensa de forma diferente da da família, não disse? Amor de alma simples como a de Suzi não pensa, não pesa, não mede. Aí é que está a diferença toda.

De mais a mais, vi Suzi, ontem, no portão de sua casa. Ela abanava o rabo, feliz como nunca a vi, para um bom vira-lata que, com certeza, descera de lá de cima da rua.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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