Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d289.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:27:49
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 289)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 13 de dezembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

As férias da Maria da Glória

Lydia Federici

As férias estão chegando. A meninada está feliz. Maria da Glória, não.

Para a menina cor de chocolate ao leite tipo suíço, férias não constituem a melhor época do ano. Tempo sem livros. Sem professores exigentes. Sem horários. Sem obrigações. Tempo livre. Feliz. Despreocupado. Só de brincadeiras. E passeios. E correrias. Gostoso até mais não poder. Para Maria da Glória, férias, isto é, época boa, é aquela, justamente, em que ela vai à escola. É exceção a pequena? Fará ela parte desse pequeno grupo que gosta de estudar? Que só vive feliz quando tem os olhos fincados num livro? Num caderno de apontamentos?

Não. Pois se Maria da Glória nem sabe ler. Está, brincando, num jardim da infância? Também não. O caso de Glorinha é este. Conto-lhes todo.

Maria da Glória é menina de morro. Aparenta ter três anos. Mas, sabendo que ela vive no alto, a gente, por conta da pobreza do morro pobre do Saboó, lhe dá quatro anos. Na verdade, tem cinco. Cinco anos muito magros e mirrados. No espirro de gente, só se notam dois olhos imensos. A boiar, arregalados e mansos, na carinha triste. Encimados por uma cabeleira ruiva. Alta. Espetada. Dessas de cabelos que não há pente que penteie. O resto quase não existe. De tão insignificante que é.

As férias, isto é, a época feliz de Maria da Glória é aquela em que, todo dia, pela manhã, a mãe, apressada e nervosa, a leva morro abaixo até o portão do "Maria Patrícia". Entrando no parque infantil, Maria da Glória começa a ser feliz. Por que? Porque toma o seu primeiro café. Com leite. E pão. E continua a ser feliz. Porque, depois, come mais pão. Porque, na hora que eles chamam de "almoço", ela toma a sopa. Come mais pão. Às vezes, até uma banana. Porque, depois, de novo, ela toma leite e come mais pão.

Compreendem? Por causa de todo esse mundo de comida é que Maria da Glória gosta de estar no parque. São os dez meses felizes do seu ano. São os seus dias, se não de alegria e despreocupação, pelo menos de estômago satisfeito.

Férias? Coisa boa, coisa boa nada. Não é bom ficar sozinha no quarto trancado. Enquanto a mãe ainda está ali, vá lá. Ela lhe dá, manhã cedinho, o que sobrou da noite anterior. Mas depois que ela sai, para ir trabalhar, a menina volta para cama. Ali fica, acordada e dormindo, até a hora em que a mãe volta. Escuro já. Com alguma comida pra ela.

Isso é férias? Isso é coisa boa? Coisa boa é o parque. isso sim é que é bom. Tem tanta comida!

***

Esse, meus amigos, é o problema de quase todas as crianças que frequentam o Parque Infantil Maria Patrícia.

O período de férias é a época difícil, dura, do ano.

As crianças de lá, quase todas, detestam as férias.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série