GENTE E COISAS DA CIDADE As férias da Maria da Glória
Lydia Federici
As férias estão chegando. A meninada está feliz. Maria da Glória, não.
Para a menina cor de chocolate ao leite tipo suíço, férias não constituem a melhor época do ano. Tempo sem livros. Sem professores exigentes. Sem horários. Sem obrigações. Tempo livre. Feliz. Despreocupado. Só de brincadeiras. E passeios. E
correrias. Gostoso até mais não poder. Para Maria da Glória, férias, isto é, época boa, é aquela, justamente, em que ela vai à escola. É exceção a pequena? Fará ela parte desse pequeno grupo que gosta de estudar? Que só vive feliz quando tem os
olhos fincados num livro? Num caderno de apontamentos?
Não. Pois se Maria da Glória nem sabe ler. Está, brincando, num jardim da infância? Também não. O caso de Glorinha é este. Conto-lhes todo.
Maria da Glória é menina de morro. Aparenta ter três anos. Mas, sabendo que ela vive no alto, a gente, por conta da pobreza do morro pobre do Saboó, lhe dá quatro anos. Na verdade, tem cinco. Cinco anos muito magros e mirrados. No espirro de gente,
só se notam dois olhos imensos. A boiar, arregalados e mansos, na carinha triste. Encimados por uma cabeleira ruiva. Alta. Espetada. Dessas de cabelos que não há pente que penteie. O resto quase não existe. De tão insignificante que é.
As férias, isto é, a época feliz de Maria da Glória é aquela em que, todo dia, pela manhã, a mãe, apressada e nervosa, a leva morro abaixo até o portão do "Maria Patrícia". Entrando no parque infantil, Maria da Glória começa a ser feliz. Por que?
Porque toma o seu primeiro café. Com leite. E pão. E continua a ser feliz. Porque, depois, come mais pão. Porque, na hora que eles chamam de "almoço", ela toma a sopa. Come mais pão. Às vezes, até uma banana. Porque, depois, de novo, ela toma leite
e come mais pão.
Compreendem? Por causa de todo esse mundo de comida é que Maria da Glória gosta de estar no parque. São os dez meses felizes do seu ano. São os seus dias, se não de alegria e despreocupação, pelo menos de estômago satisfeito.
Férias? Coisa boa, coisa boa nada. Não é bom ficar sozinha no quarto trancado. Enquanto a mãe ainda está ali, vá lá. Ela lhe dá, manhã cedinho, o que sobrou da noite anterior. Mas depois que ela sai, para ir trabalhar, a menina volta para cama. Ali
fica, acordada e dormindo, até a hora em que a mãe volta. Escuro já. Com alguma comida pra ela.
Isso é férias? Isso é coisa boa? Coisa boa é o parque. isso sim é que é bom. Tem tanta comida!
***
Esse, meus amigos, é o problema de quase todas as crianças que frequentam o Parque Infantil Maria Patrícia.
O período de férias é a época difícil, dura, do ano.
As crianças de lá, quase todas, detestam as férias.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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