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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 284)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
6 de dezembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE O telefone e Teresa
Lydia Federici
Telefone dispensa apresentação. É danação para os que o têm. Danação dobrada para os que tentam obtê-lo. Inútil,
portanto, perder espaço. Apresentando, a um santista, esse senhor de preto vestido. Mas Tereza merece apresentação.
Teresa, com sua cara brava, é um primor de criatura. Nasceu em Santos. Em Santos se criou. Sempre aqui viveu. Não à beira do mar. Mas suficientemente perto para dele pegar certas qualidades. Por exemplo. É, normalmente, calma, ensolarada e
sorridente. O crespo das ondas, meio assustador, está nas sobrancelhas sempre franzidas. Mas nada quer dizer. É certo que tem seus momentos de braveza. Mas volta logo à placidez. Esquecida de que fez revolução. É franca. Franca ao exagero. Franca
com inteligência. Nunca chega a ser rude. E é boa. Boa de verdade. Sem ser, entretanto, boba. Ah! Isso é que não é.
Ora, muito bem. Teresa mora numa casa. Casa essa que tem telefone. Muitos dos seus vizinhos de Leste e Oeste, e mesmo os da frente, também possuem esse aparelho mágico. Mas muitos deles ainda não conseguiram linha. Quanto mais telefone. Acontece
que, para estes, Teresa é a salvação. A única salvação da rua em matéria de comunicação. Acontece também que os vizinhos novos, mal mudados para os apartamentos recém entregues, descobrem logo que a alma gentil da rua é a dona Teresa. Vai daí a
camaradagem que com ela logo entretêm. Com ela. E com seu telefone.
O telefone de Teresa, se não chega a ser telefone público, é, indubitavelmente, telefone de uso comum a todos os desafortunados da rua. Já imaginaram o que é isso? Quando chegam, por um momentinho, para telefonar, o problema é simples. Quase
inexistente. Mas quando, de fora, pedem para fazer o favor de chamar a Ruth, a dona Clara, o Juquinha, a vizinha nova do prédio da frente, apartamento 5t, a coisa se complica. Porque exige uma caminhada até a esquina. E, em casa, nem sempre a gente
está vestida para sair à rua.
Mas nada disso, para a boa Teresa, tem importância. Se for recado de urgência, para a vizinha do lado, ela grita da janela mesmo. Se for coisa sem pressa, logo que puder, transmitirá o recado. Está bem assim?
No outro dia, uma voz masculina, muito gentil, telefonou. "Boa tarde, dona Teresa. É José Roberto. Como vai a senhora? O netinho está crescendo forte? Ótimo. Seria possível chamar a Gina?" José Roberto e Gina. Os recém-casados. Possível era. Mas
era para ser como ontem? Só para matar a saudade? E ficar 15 minutos no nhé-nhé-nhé? Não era não. Gina pedira-lhe um remédio. Ele esquecera o nome. Dona Teresa podia ter a gentileza de chamá-la?
Teresa foi à janela da frente. Com sua voz de soprano começou a gritar por Gina. Chamou-a mais de 10 vezes. Cada vez em tom mais agudo. Por fim, pigarreando, voltou a pegar no aparelho preto.
"José Roberto, Gina já vem. Mas escute um pouco. Uma vez que você vai à farmácia, providencie também um remédio para a surdez de sua encantadora esposa. Ou um tônico para a minha garganta. Ouviu, filho?"
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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