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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 279)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
30 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Dona Vitalina
Lydia Federici
Hoje, às 8 horas, na Catedral, será celebrada missa em ação de graças pelo 62º aniversário de formatura de uma
professora. 62 anos de magistratura. porque, apesar de aposentada há 38 anos, dona Vitalina, na verdade, nunca deixou de ser professora. Professora de vida. Professora de cartilha de vida.
Pouco antes das 8, hoje, a homenagem chegará, de carro, à Praça José Bonifácio. Como sei disso? Muito simples. Quem sempre foi pontual, não iria falhar justamente neste dia. É bem provável que dona Vitalina aceite, com um sorriso careteado, o
auxílio de mãos estendidas com carinho. Estendidas para ajudar os 78 anos a saírem do carro. Mas podem ter a certeza de que, se, ultimamente, seu joelho não tivesse dado para falsear, aquele corpo pequenino e redondo, orgulhosamente independente,
correria escadaria acima. Esse sempre foi o seu jeito. Jeito que um reumatismo cacete emperrou.
"Reumatismo? Por que a senhora não vê um médico? A Medicina progrediu tanto". É claro que ela vê médicos. Gosta muito deles todos. Como amigos. Mas, para tratar de seus achaques, não. Se eles curam, por que mulher de médico, filho de médico, ficam
doentes? Ela vai nos seus chás caseiros. Tão bem que tem mais vitalidade que muita gente moça.
Se gratidão fosse coisa que memória guardasse, que coração não esquecesse, a Catedral, com toda sua grande nave, seria insuficiente para receber as centenas e milhares de velhas e novas alunas. Os pobres que ela socorreu. Os presos que, graças a
ela, tiveram Páscoas e Natais cristãos. As antigas crianças que protegeu. Os aleijados que ajudou a viver.
Que faz, hoje, com 78 anos de idade, uma das mais antigas mestras de Santos? Descansa sua canseira no embalo de uma cadeira de balanço? Reza, dormitando, por todos nós? Sonha com a visita dos 8 filhos, genros, noras, netos, bisnetos? E amigos? Pois
sim! Não tem tempo de sonhar velhos sonhos. De pensar no passado. Vive o presente.
Nas horas livres, pinta. Pinta quadros, sim senhor. Com os bons olhos que ainda possui, vai misturando tintas. Enchendo de cor telas que os amigos mostram com orgulho. Dizendo: "Foram pintadas por uma senhora de quase 80 anos".
Sim. Dona Vitalina sempre gostou de pintar. Casada, ensinando, cuidando de casa, marido e de 12 filhos pequenos, ela sempre arranjou tempo para lidar com tintas. Chegou a aprender com o mestre Benedito Calixto. Poucas aulas teve. Que a criançada
cheia de vida e de artes não lhe permitia fugidas frequentes á casa do grande mestre. Em São Vicente.
Quanto a rezar, reza sim. Mas trabalhando. Para não perder tempo. Quanto a visitas, é evidente que, sendo carinhosa, recebe-as com prazer. Mas como gosta muito de passear, prefere fazê-las. Divertem-nas mais. Quando pega um carro, voa para São
Paulo. Não perde um fio de capim que passa correndo pela estrada. Adora ver gente nova.
Sim. Para dona Vitalina Caiafa Esquivel a vida ainda está cheia de beleza e de encantamento. Que ela vive com prazer. Que Deus a abençoe por essas lições de bem viver.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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