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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 278)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
29 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE A João Pessoa
Lydia Federici
Há muito tempo que é, das ruas centrais, uma das mais importantes. Chamava-se Rua do Rosário. Depois virou João Pessoa.
A mudança de nome não lhe trouxe diferença alguma. Continuou a ser o que era. Rua velha e estreita. Aqui no começo, rua de comércio. De lojas. Mais para a frente, rua de moradias. De casas debruçadas sobre o passeio. Com porta e duas janelas.
Tudo isso continua a existir. O progresso quase não lhe modificou o aspecto. Poucos de seus velhos prédios foram substituídos por construções mais altas. Mais claras. Mais arejadas. Houve, no entanto, uma certa melhoria. Melhoria de fachada,
digamos assim. Sabem como é, não sabem? Espécie de maquilagem de velha senhora. Que faz plástica para tirar as rugas. Que reboca, com creme vivificador, a pele fanada do rosto. Que acentua a cor do ruge. Para dar um colorido saudável e simpático à
palidez marmórea da pobre face sem vida. Sim. Foi isso, em geral, que fez a João pessoa na sua fileira dupla de casas. Maquilagem de superfície. Sem profundidade. Mas capaz de agradar olhares distraídos.
Nessa parte, até que são bem bonitas as lojas do começo da João Pessoa. Repararam?
Até há pouco, com sua linha de bondes e, depois, sem os seus trilhos, a antiga Rua do Rosário, no conjunto das artérias do centro, era rua comum. Tão importante, pelo movimento, quanto as que mais o fossem. Mas, de repente, com uma simples
modificação, virou a vedete das ruas. Não só do centro. Como de toda Santos. Explico a razão.
Quem anda a pé, quem é liquidificado num carro, quem sacoleja n um ônibus, quem balanceia num bonde, quem soluça com sua bicicleta, carroça, triciclo ou carrinho de mão, não sabe o que é calçamento de rua santista. Inútil explicar que rua de Santos
é paralelepípedo desigual, asfalto ondulado, cratera de lua, canal de Marte, catapora de gigante. Enfim. Tudo quando é coisa que não seja lisa e uniforme. Exatamente isso é calçamento de rua santista.
Ora. A João Pessoa nunca foi exceção. Nem quando acabaram de emparalelepipedarem-na. Acontece, porém, que comerciantes corajosos resolveram, atendendo a um apelo do prefeito, acabar com a infâmia do calçamento daquela rua. Durante uns tempos, e,
para castigo completo, foram tempos de chuva, a pobre João Pessoa transformou-se em rua de inferno. Tão desgraçadamente infeliz que nem é bom relembrar a miséria enlameada em que ficou. A sujar sapatos. A torcer pés. A quebrar finos saltos
femininos. A irritar todo mundo.
Mas, de repente, surgiu o milagre.
E aí está a velha João Pessoa. De calçamento novo. Perfeito. Igual. Tão liso que parece salão de baile. Sobre cujo chão tivessem espalhado pó de pedra. Quem passa pelo começo da rua, vindo de Norte ou de Sul, julga ter entrado no céu.
Não é um milagre? Muito justo o vedetismo da João Pessoa. É outra rua.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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