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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 277)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
28 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE "Onde pincho?"
Lydia Federici
Não acredito que a menina tenha estado no salão nobre da Prefeitura. Não foi lá, portanto, que ela pôde ter ouvido o
prefeito falar do lixo que o santista, com prática simplicidade, atira à rua.
Mas a exortação de José Gomes foi gravada. Talvez uma emissora de rádio tivesse retransmitido o apelo tão veementemente sonoro do chefe do Executivo santista. Ou, talvez ainda, uma das diretoras presentes à reunião tivesse dado início, em seu grupo
escolar ou parque infantil, à campanha do "não suje a cidade". Dado início, não. Reinício, apenas. Que a campanha é velha.
O fato, entretanto, é que a menina sabia. Sabia que não se deve atirar coisas nos passeios nos jardins. No chão de qualquer canto da cidade.
Pois muito bem. Neste último domingo, na tarde ainda dourada de sol, a menina, toda feliz, apareceu na Ponta da Praia. Acompanhada por seus pais. Desceram de um bonde 4. No ponto final da linha. Atravessaram a avenida. Os três de mãos dadas. Ao
alcançarem o passeio do paredão, a garota desembaraçou-se da mão do pai. E, saltitante, pÔs-se a andar e a dar curtas corridas. Aguardando, sob a sombra espichada dos chapéus de sol, a aproximação dos pais.
Quando perceberam, estavam diante do "ferry-boat". Com uma vontade louca de tomar sorvete. Não havia carrinho à vista. Mas, por coincidência, vinda do Guarujá, surgiu a carrocinha amarela de um bom baiano. Os três escolheram sorvete de pauzinho.
"Cuidado com o vestido, Romilda. Embrulhe, assim, olhe, o papel embaixo do sorvete".
Depois das primeiras lambidas puseram-se a andar. De volta. Os três tombando o corpo para a frente. Para que um pingo não lhes sujasse a roupa de festa. Ao fim dos primeiros cinquenta metros, ou porque mastigassem o sorvete, ou por andarem muito
devagar, os pauzinhos estavam nus. O pai atirou-o, com o papel, ao mar.
"Ah! Papai. Não faça isso. Não suje o mar. O senhor não sabe que nós temos que 'conversar' a cidade limpa?"
O pai ficou tão atarantado que, tirando o lenço do bolso, com ele procurou disfarçar seu embaraço. Limpando a boca. Enxugando as mãos. Mas a mãe não pestanejou.
"Não é 'conversar' que se se diz, Romilda. É conservar. Conservar". Depois de um tempo, em que todos, por razões diferentes, estavam atrapalhados, a mãe perguntou: "E onde é que vamos pinchar isto aqui?"
Olharam para os lados. Para a frente. Para trás. Não descobriram recipiente nem cesto metálico. Nada onde pudessem jogar o papel melado que lhe grudava os dedos.
Até o pontão dos Práticos conservaram o pauzinho e o papel. Depois atiraram-nos, com jeito, junto à sarjeta.
"Onde pinchamos o lixo, por favor?", pergunto.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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