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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 274)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 24 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Nem sempre é à toa

Lydia Federici

Homem com a pobre paciência esgotada, é quem o diz. Sempre que consegue abrir a boca. Ou entreabri-la. "Mulher só conversa à toa".

Acontece que para nós, mulheres, essa é uma das mais gostosas formas de distração. Conversamos, sim. Mas nem sempre à toa. Muita conversa feminina, às vezes, produz algo de bom. Vejam-me esta história.

***

Há, na Conselheiro Nébias, atrás de um largo muro amarelo, uma casa. É um asilo-escola. Mantido por irmãs de caridade. Seu nome é bonito. Maria Imaculada. Para muitas órfãs, aquela escola grande é a casa onde moram. Onde estudam. Onde brincam. É o lar. Lar em conjunto. Lar dividido entre centenas de amores. Mas, nem por isso, menos acolhedor. Há, ali, tanto quanto possível, cuidados e carinhos.

Seus dias e noites, passados ali dentro, são sempre iguais. O tempo é dividido entre repouso, estudo. trabalho. E, logicamente, diversão. Diversão? Como se divertem as asiladas? Com que se distraem? Ora. Divertem-se com qualquer joguinho infantil. Com coisa de nada. Para as mais taludas já alfabetizadas, existe até uma pequena biblioteca. Essa é uma das diversões. Das melhores.

Acontece que a biblioteca do Maria Imaculada, se é biblioteca, é coisa diminuta. Minúscula. Anã, de verdade. Dispõe, exatamente, de 69 livros. Que algumas meninas releem pela quinta vez. Acontece também que existe, trabalhando como bibliotecária da Universidade de São Paulo, uma moça que gosta realmente de livros. E que, nas horas vagas, para distrair-se, percorre tudo quanto é biblioteca. Pública ou particular. Grande ou miúda que sabe existir.

Numa dessas horas, Rosinha Camilleri descobriu a biblioteca do Maria Imaculada. Viu o pouco que havia para ver. Correu os dedos pelas folhas gastas de alguns volumes. E, pelos dias afora, ficou sentindo, nos dedos da alma, a mesma aspereza que seus dedos encontraram nas folhas dos livros lidos e relidos. Gastos e vasculhados.

Numa reunião, que um grupo de senhoras musicava interruptamente com suas vozes finas e incansáveis, Rosinha pôs-se a conversar. Contou, a uma amiga, o que vira no Maria Imaculada. Essa amiga, záz, conversou com outras amigas. Todas do Santos Ladies Guild.

Pouco tempo depois, a biblioteca das meninas cresceu. As senhoras inglesas, Deus as abençoe, haviam destinado a renda de um de seus tradicionais chás à aquisição de livros para o Maria Imaculada. Setenta novos livros, já defendidos caprichosamente por capas plásticas, foram levar nova alegria às meninas da grande casa amarela.

A que se deve esse presente feliz?

Não nasceu de uma conversa feminina? Dessas que os homens classificam de à toa?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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