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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 275)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
25 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Peixe vivo
Lydia Federici
Um amigo, com os mesmos quatro palmos de altura, é que lhe contara. E o garoto ficou com os peixes a nadarem-lhe na
cabeça. A cada começo de semana, com os olhos cheios de esperança, encostava-se nas pernas compridas do pai:
"Paizinho. É no próximo domingo que vamos a Santos?"
Apesar da correção exemplar com que sabia falar, o pai estava custando a dizer-lhe que sim. Mas sempre chegou o dia. Foi uma semana de impaciência. Custando como que a passar. Mas passou.
Passou e chegou o esperado domingo da descida a Santos. Na verdade, praia e mar, dessa vez, pouco lhe importavam. Frio ou chuva, privando-o do banho, não o fariam chorar. Desesperado. Logrado. Roubado. Sua ideia rodava em torno de uns vidros
grossos. Atrás do qual, vivos, vivinhos, nadavam os peixes. E ali, ventando ou chovendo, ele sempre poderia ir. Garantido. Garantido.
Não choveu. Chuviscou apenas. Mas o frio impediu-lhe a ida à praia. Ergueu os ombros. Tinha coisa melhor a fazer. Ver os peixes vivos.
Quando, depois do almoço, o pai engatou no braço da mãe e, a sorrir, lhe perguntou se aceitava um passeio até o Aquário, o garoto, embora de boca vazia, engasgou. Engasgou de alegria. Que alegria também nos engasga.
Foram. O menor puxando os dois maiores. À porta do Aquário, fechada, havia uma tabuleta. "Fechado para pintura". Só isso. Nada mais. Apenas essas três palavras. O menino leu-as. Releu-as. Olhou assustado para os pais. Não era verdade, era? Mas o
guarda não podia abrir, só um pouquinho, para ele?
"Há outro lugar, meu filho, onde também há peixes. Não nadam em água. Pois não são peixes vivos. Mas estão tão bem embalsamados, tão bem empalhados, que é como se estivessem vivos. Vamos até lá?"
Com duas grossas lágrimas penduradas, lágrimas que, como homem, ele não queria que lhe escorressem pelo rosto, o garoto baixou a cabeça. Concordando sem muito entusiasmo.
"Mamãe. Você não acha que eles podiam pintar durante a semana? Pra, no domingo, que é feriado, todo mundo poder vir ver os peixes?" Que responder ao filho tão desiludido?
Foram ao Instituto de Pesca. Ver o museu. Onde, dissera-lhe o pai, havia até um esqueleto completo de baleia. Viva? Ora. Esqueleto de baleia viva era coisa que se pudesse ver?
O Museu estava fechado. Nova decepção para o garoto. Mas havia o Entreposto. Que tal se chegassem até o Entreposto? O menino segurou as lágrimas. Baixou a cabeça. Encostando-a, desamparado, à cintura da mãe.
Foram todos ao Entreposto. Onde, todos os dias, os barcos encostavam para despejar caixas de camarões e de sardinhas. De pescadas e de tainhas. Se tivessem sorte, até atum, deste tamanho, poderiam ver. Vivo? Bem. Vivo, vivo, não. Mas quase vivo.
Foram. Naquele domingo,no Entreposto, só havia gelo.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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