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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 271)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 21 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Jogar na rua?

Lydia Federici

O problema é velho. Parece-me que sempre existiu. Só que, até agora, milagres permitiram ir vencendo a crise. Mas hoje não há boa vontade que dê jeito. Nem boa vontade, nem um mundo de dinheiro.

Uma destas duas hipóteses acontecerá: ou a Santa Casa dos pobres continuará a existir. Ou todos nós, que não nos mexemos para salvá-la, teremos que fechar os olhos para não ver a desgraça de milhares de doentes. E, não a vendo, não morrer de remorsos por não ter feito o que, unidos, deveríamos fazer. De ter feito.

***

Em primeiro lugar: que é a Santa Casa? Despreze a sua opinião, meu amigo. Pergunte a um pobre da cidade. A um doente perdido num bananal do Litoral Sul. A um indigente sem família. Para esses, a Santa Casa de Santos não é um hospital. Conhecido e reconhecido como um dos melhores e maiores do Brasil. Algo de que o santista se orgulha de possuir. E de mostrar a todo o mundo.

Para eles, os pobres e doentes, Santa Casa é a esperança única que ainda vive em seus corações desiludidos. Santa Casa é Deus na terra. É mão misericordiosa sempre estendida. Se não para salvá-los, ao menos para aliviar-lhes o fim de vida. É mão que lhes umedece os lábios ressequidos. Que lhes lava as chagas. Que lhes mitiga a dor física. E moral. É mão que lhes redá a vida. Ou que, sabem-no bem, lhes fechará, irmãmente, os olhos vidrados.

Para os pobres, Santa Casa não é hospital. É templo de esperança. É refúgio seguro. É lar. É família que não têm. Um pedaço certo de pão. Um pouco de amor cristão. Se alguém duvidar, que vá ver a enfermaria dos doentes crônicos. Dos pobres doentes sem mais ninguém no mundo. São trezentos. Que ainda vivem porque lá estão. Se há falta de leitos e de verba, por que, não tendo esperança de cura, não se os joga na rua? Para dar lugar a outros? Bem. Você o faria, meu amigo?

A Santa Casa não tem dinheiro para continuar prestando assistência aos necessitados. Há pouco tempo, um único pobre diabo, baleado numa rixa, custou à Santa Casa trezentos mil cruzeiros. Seu retorno à vida valeu uma pequena fábula. É uma fortuna por uma criatura qualquer? Sem dúvida. Mas é um homem. Um cristão como nós. Que fazer? Jogá-lo na rua? Deixá-lo morrer por ser pobre?

A Santa Casa, em déficit, fechará seu Ambulatório. Teria você, meu amigo, a coragem de bater a porta ao desespero de 120 mil doentes que procuram saúde nos doze meses do ano? E que, talvez, continuem a viver porque existe uma Santa Casa? A Santa Casa dos pobres? A Santa Casa da Misericórdia de Santos?

***

Qual a solução?

Ainda não se sabe. Mas mais um milagre de compreensão, de bondade, terá que acontecer. Compreendam-nos as autoridades. Compreendamo-lo bem todos nós.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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