GENTE E COISAS DA CIDADE Jogar na rua?
Lydia Federici
O problema é velho. Parece-me que sempre existiu. Só que, até agora, milagres permitiram ir vencendo a crise. Mas hoje
não há boa vontade que dê jeito. Nem boa vontade, nem um mundo de dinheiro.
Uma destas duas hipóteses acontecerá: ou a Santa Casa dos pobres continuará a existir. Ou todos nós, que não nos mexemos para salvá-la, teremos que fechar os olhos para não ver a desgraça de milhares de doentes. E, não a vendo, não morrer de
remorsos por não ter feito o que, unidos, deveríamos fazer. De ter feito.
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Em primeiro lugar: que é a Santa Casa? Despreze a sua opinião, meu amigo. Pergunte a um pobre da cidade. A um doente perdido num bananal do Litoral Sul. A um indigente sem família. Para esses, a
Santa Casa de Santos não é um hospital. Conhecido e reconhecido como um dos melhores e maiores do Brasil. Algo de que o santista se orgulha de possuir. E de mostrar a todo o mundo.
Para eles, os pobres e doentes, Santa Casa é a esperança única que ainda vive em seus corações desiludidos. Santa Casa é Deus na terra. É mão misericordiosa sempre estendida. Se não para salvá-los, ao menos para aliviar-lhes o fim de vida. É mão
que lhes umedece os lábios ressequidos. Que lhes lava as chagas. Que lhes mitiga a dor física. E moral. É mão que lhes redá a vida. Ou que, sabem-no bem, lhes fechará, irmãmente, os olhos vidrados.
Para os pobres, Santa Casa não é hospital. É templo de esperança. É refúgio seguro. É lar. É família que não têm. Um pedaço certo de pão. Um pouco de amor cristão. Se alguém duvidar, que vá ver a enfermaria dos doentes crônicos. Dos pobres doentes
sem mais ninguém no mundo. São trezentos. Que ainda vivem porque lá estão. Se há falta de leitos e de verba, por que, não tendo esperança de cura, não se os joga na rua? Para dar lugar a outros? Bem. Você o faria, meu amigo?
A Santa Casa não tem dinheiro para continuar prestando assistência aos necessitados. Há pouco tempo, um único pobre diabo, baleado numa rixa, custou à Santa Casa trezentos mil cruzeiros. Seu retorno à vida valeu uma pequena fábula. É uma fortuna
por uma criatura qualquer? Sem dúvida. Mas é um homem. Um cristão como nós. Que fazer? Jogá-lo na rua? Deixá-lo morrer por ser pobre?
A Santa Casa, em déficit, fechará seu Ambulatório. Teria você, meu amigo, a coragem de bater a porta ao desespero de 120 mil doentes que procuram saúde nos doze meses do ano? E que, talvez, continuem a viver porque existe uma Santa Casa? A Santa
Casa dos pobres? A Santa Casa da Misericórdia de Santos?
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Qual a solução?
Ainda não se sabe. Mas mais um milagre de compreensão, de bondade, terá que acontecer. Compreendam-nos as autoridades. Compreendamo-lo bem todos nós.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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