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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 270)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
20 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE A grande voz
Lydia Federici
Poucos, muito poucos sabem ouvi-la. E, no entanto, vez ou outra, ela nos chega aos ouvidos. Vem de longe. Quase
indistinta. Ou se ergue tão perto de nós que seus sons nos arrepiam. Mal adivinhada ou fazendo-nos estremecer, poucos, muito poucos lhe dão atenção, a devida atenção. E menos ainda lhe respeitam a grandeza. Por que? Não sei. Há uma moça, porém, que
reaprendeu a ouvi-la. A respeitá-la.
Aconteceu numa noite. Noite comum. De meio de semana. Como estivesse sozinha em casa, sem nada de importante para fazer, lembrou-se de chegar até a casa de uns amigos.
Bateu a porta da frente, caminhou cem metros pela rua escura e foi varando, como sempre o fazia, pelo jardim dos amigos. A sala da frente estava iluminada. Já deviam estar assistindo a um programa qualquer de televisão.
Subiu o degrau da varanda e ia bater no vidro da porta quando percebeu que ela só estava encostada. Abriu-a de manso. O suficiente par passar a cabeça e chamar por Luísa. Ninguém respondeu. A televisão ligada abafava-lhe, com certeza, a voz macia.
Não insistiu com o chamado. Resolveu entrar. Tanto, era quase que de casa.
Na sala da frente não havia ninguém. Mas na seguinte, pelo grande arco, descobriu "vô" Luís sentado bem perto do aparelho de TV. Não sabia de sua chegada. À tarde, Luísa nada lhe dissera. Ia passar-lhe, com carinho, os braços pelo pescoço sempre
tão orgulhosamente erguido quando ele, firmando-se nos braços da poltrona, se levantou. Deus! Como estava magrinho. A dificuldade com que se levantava grudou-a ao chão. Sentiu tanta pena que nem se lembrou de ir ajudá-lo. Quando pensou em fazê-lo,
ele já estava de pé. Cobrindo, com o corpo, o quadro iluminado. Como estava magro. E, o que a deixou ainda mais impressionada, como suas costas se haviam dobrado. Parecia ter encolhido.
Mas, de repente, "vô" Luís cresceu. Puxou os ombros para trás. Juntou os braços ao corpo. Suas costas endireitaram-se. O pescoço fino sustentou, com firmeza, a cabeça toda de prata. E, nessa postura, fixando a tela, ficou imóvel e duro como um
jovem.
A moça, embora ouvindo os acordes vibrantes do Hino Nacional, não compreendeu, nos primeiros momentos, por que razão "vô" Luís se levantara. Não tinha sido para cumprimentá-la. Nem sabia que ela estava ali. Às suas costas. Também não era para sair
da sala. Que atitude mais estranha! Seria para ouvir o Hino? Para ver o hasteamento da Bandeira? Mas se ele estava em casa. Sozinho. Sem outra pessoa para observá-lo! Pra que tanto incômodo? Tanto sacrifício? Só no último acorde o velhinho
abandonou a posição respeitosa. Explicou-lhe, ao abraçá-la, ainda comovido:
"É uma grande voz, não, querida? Merece ser ouvida com respeito, não?"
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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