Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d265.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:26:08
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 265)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 13 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Flor e luz

Lydia Federici

Acontece, às vezes, na vida da gente, um momento de desânimo. Ou de fastio. Fartamo-nos de tudo e de todos. Inclusive das coisas boas. E belas. Isso, entretanto, é normal. Acontece também que, algumas vezes, esses momentos de cansaço, de enfaramento total, dão de exagerar. Prolongam-se por períodos demasiadamente longos. Isso já não é tão normal. Alguma coisa, dentro de nós, deixou de funcionar bem. Necessita de revisão. E urgente.

Se o seu caso, meu amigo, enquadra-se na primeira hipótese, ou, se já passou para o segundo estágio, permito-me repetir-lhe um conselho que vi não sei onde. "Se o mundo que o cerca já não lhe oferece novidades, por ser ultraconhecido e repetido, mude você". Mas mudar como? Ora. Mude de lugar. Ou, por exemplo, mude apenas seu ângulo habitual de ver as coisas. Plante bananeira, mude duas palavras. E tudo mudará. Com essa simples mudança sua.

O conselho parece esdrúxulo. Mas não é. Faça a experiência agora mesmo. Largue o jornal. Olhe, de forma habitual, para um canto da sala. Brrr! Que coisa mais conhecida. Agora, levante-se. Vire-se de costas para o mesmo canto. Faça uma flexão suficiente para permitir que seus olhos vejam, através das pernas, de cabeça para baixo, o mesmo canto. Cuja disposição, cuja ornamentação você conhece de cor. Que tal as coisas? Não parecem novas?

Pois bem. Há duas coisas, nesta cidade, na zona da praia, que merecem ser vistas de cabeça para baixo. São ultraconhecidas de quem, por lá, vive a passar. São aspectos tão corriqueiros que já nada nos dizem à alma. É evidente que não lhe sugiro que vá ao extremo de plantar bananeira. Para poder notá-las em todo seu esplendor. Mas elas precisam de ser vistas de forma nova. Bastaria que lhes déssemos um bom olhar. Apenas isso. Um bom olhar carregado de atenção. Nada dessa distraída vista de olhos costumeira. Olhemos para ver. Para enxergar. Para sentir. E saber, depois, que, ao contrário do que se julga, há beleza nova a nascer todo o dia. Aqui mesmo. Perto de nós.

Uma dessas coisas deve ser vista de dia. À luz do sol. Mesmo de um sol encoberto por nuvens esbranquiçadas. Ou cinzentas. Carregadas de chuva. Como, agora, parece ser moda. Qualquer luz de dia dá para vê-las em toda sua glória. São os jardins da praia. Os grandes gramados verdes com seus canteiros irregulares de flores. Deus. Que esparramo de cor. Que mimo de formas. Duvido que alguém consiga, nos trechos já reformados dos jardins - e são muitos - olhar e ver tanta beleza sem sentir-se emocionado. Vivo, portanto.

A outra coisa só pode ser vista justamente à noite. Nasce diariamente quando o céu começa a escurecer. É uma nova ilha iluminada. Que surge, agora, na boca escura da entrada da barra. São navios à espera de vaga no cais. Sabemos os danos e prejuízos causados pelo congestionamento do porto. Mas, por uma noite, deixemos esses pensamentos de lado. Olhemos, apenas, para aquela pequena ilha iluminada. Brilhando contra o infinito escuro do mar e do céu. É como se Santos, já tão grande, estivesse, no nosso carinho, a crescer. A avançar para o mar. Para além.

Sim. Flores nas praias, luzes no mar, merecem um olhar especial.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série