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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 264)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
11 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Pedro viu de perto
Lydia Federici
Pedro, um rapaz simples que sabe conversar com uma bola de vôlei, esteve na Rússia. Disputando, pelo Brasil, o
campeonato mundial. Contou-me um mundo de coisas que a gente sabe por terceiros. Sempre interessados em salientar ou esconder os fatos. Como Pedro viu de perto o que pôde ver, em Moscou, nos seus dias cheios de jogos, e como confio na honesta
simplicidade de seu sentir, aqui vão algumas coisas interessantes.
Acontece apenas uma dificuldade. Como, daqui, não me permitem sair, trago a Rússia para Santos. E, então, isto seria assim.
As ruas seriam arborizadas. Ninguém, nem mesmo uma criança, se atreveria a mexer numa folha. Por que? Porque não pode mesmo. A disciplina é dura. Ninguém se atreve a estragar o que é do governo. Do povo todo. A limpeza das ruas seria feita por
mulheres. Inclusive por mulheres de cabecinhas brancas. Que também tratariam dos consertos dos buracos. E da pavimentação de ruas novas. Aliás, não haveria escolha de trabalho. O que homem faz, mulher também pode fazer. Sexo ou idade não contam
para nada. De qualquer trabalho é que ninguém escapa. Se não serve para isto, servirá para aquilo. E está resolvido o caso. Vagabundo é que ninguém pode ser. Nem boa vida. Quem não ganha seu pão não o come, mesmo.
Bêbado, nas ruas, não existe. Pedinte também não. Carraspana curte-se em casa. E sem escândalo. Casa? A casa é do governo. Paga-se-lhe o aluguel correspondente. Ganha-se mais? Pode-se arrumar um teto melhor. Mas nunca será nosso.
As lojas têm de tudo. Só que não se dá importância ao luxo, à aparência. um liquidificador não é uma pequena joia cromada. É um troço, porém, que funcionará bem durante toda sua vida. Caro como quê. As roupas também são de boa qualidade. Mas, se as
santistas as vestissem, deixariam de ser essas gracinhas que são. Virariam espantalhos. Os rapazes não teriam camisas de orlon. Nem meias de nylon. Essas maravilhas não existiriam.
Se, por acaso, fossemos turistas, poderíamos hospedar-nos no Parque. Tendo muito dinheiro. Comeríamos um cardápio simples. Sem variação de um para outro dia. Se gostássemos de um prato, não poderíamos repeti-lo. Por quê? Por que não pode, ora essa.
Teríamos à sobremesa frutas. E doce. Queijo, nunca.
No apartamento alugado, no hotel, haveria um alto-falante sempre ligado a um rádio central. Você não poderia trocar de estação. Nem desligá-lo. Apenas, dia ou noite, diminuir ou aumentar-lhe o volume. A ascensorista seria uma mulher. Fazendo 24
horas de plantão. Sem dormir. Mesmo no silêncio e na quietude das madrugadas, ela é obrigada a ficar de olho aberto. A roupa que você entregou para limpar, seria devolvida, limpa, no dia seguinte. Nada lhe custaria. A empregada não poderia sequer
aceitar uma gorjeta.
Deus! Tanta coisa ainda para contar. E o espaço acabou. Continuaremos ou chega? Uma conclusão, entretanto, já se impõe.
Com tudo quanto temos de errado, isto, como está, está muito bom. Esta é que é terra para nós!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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