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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 262)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 9 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Telefone e chuva

Lydia Federici

Era um caso de certa urgência. Ela precisava de localizar o médico. Sabia que, pela manhã, o problema era meio difícil. Ele tanto poderia estar num dos hospitais. Como na Associação Camiliana ou nas Ancilas. Ou ainda visitando os seus pacientes.

Em casa não estava. Há muito que saíra. Tinha plantão na Cruz Vermelha? Bem. O caso era sentar-se perto do telefone e iniciar a procura. Foi o que fez. Na caderneta dos telefones tinha uma lista completa dos números que devia tentar.

Levantou o fone e pô-lo, gelado, contra o ouvido. Para ouvir o ruído de chamada. Coisa que se habituara a fazer. o ruído não chegou. Uma voz feminina, muito doce, contava: ... e sabe o que ele teve a coragem de me dizer? Sabendo que somos amigas e que, logicamente, contaria a..." apertou o interruptor. Não queria cometer indiscrição. Queria apenas ouvir o ruído de chamada. Tornou a soltar o pino. "Não me diga. Ó! Ele vai me pagar". Era outra voz de moça. Irritada. Finalmente ouviu o ruído de chamada. Afastou o fone do ouvido, enquanto, com um lápis, discava o número da Cruz Vermelha.

Mal acabara de discar, uma voz grossa atendeu. Não disse "Pronto" nem "Alô". Entendeu-a dizer "ibecê".

"É da Cruz Vermelha?", gritou, para cobrir a voz das amigas que continuavam a conversar.

"É do I. B. C., minha senhora". Responderam com certa impaciência.

"Eu disquei 2-4315. Desculpe-me, sim?"

"E aqui é 2-4300. Parecido, não?" A ironia da voz fez-lhe subir um calorão ao rosto. Pensou em brigar. Mas tinha um problema muito mais urgente a exigir solução imediata. Desligou de manso.

Quando tornou a levantar o fone, o telefone gargarejava. A voz das amigas continuava a aparecer. Mas sincopada. Pôs-se a bater o pino. O telefone ficou mudo de vez. Depois de um espirro, chegou, muito de longe, o ruído de chamada. Discou o número da Cruz Vermelha. Com todo o cuidado. Verificando bem onde punha a ponta cega do lápis. Atenderam da Cruz Vermelha. Ele acabara de sair. Para a Santa Casa.

Depois de 15 minutos de ouvir gargarejo, tosse, espirro e a mudez do telefone, e ainda o desesperador sinal de linha ocupada, conseguiu saber que o médico acabara de sair. Para atender um chamado urgente. Deixou o recado. Caso ele voltasse. E começou a tentar todos os outros números onde possivelmente poderia encontrá-lo.

Não houve uma única vez em que o número cuidadosamente discado a pusesse em comunicação certa. Havia sempre engano. Enganos e mais enganos. E, por duas vezes, no intervalo entre duas ligações, atendeu a chamados enganados.

Quando chove, é assim. Telefone fica louco. E quem dele precisa, também.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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