GENTE E COISAS DA CIDADE Ela ao volante
Lydia Federici
A conversa estava tão boa. Um assunto puxando outro. Mas, de repente, ela se lembrou da família. Toda no clube. Há
longo tempo à sua espera. Despediu-se às pressas. Procurando, na bolsa grande, para evitar mais demora, a chave do carro que, paciente e calmamente, a aguardava na rua.
Abriu a porta. Subiu um pouco a saia estreita e entrou, de costas, os joelhos muito unidos. Era o único jeito, não muito elegante, de conciliar a entrada no carro e a saia ajustada. Deu um último adeusinho e arrancou. O motor devia estar frio.
Custava a puxar. Paciência. Rodando, esquentaria. Perder mais um minuto de tempo é que não poderia ser. O marido deveria estar preocupado. E os meninos, embora a divertir-se, estariam com o estômago a reclamar. Como pudera atrasar-se por mais de
uma hora?
Tinha pressa. Mas também tinha consciência. Não era uma volante irresponsável. Nunca se permitiria fazer coisa que aprendera não dever fazer. Correr mais que o razoável, por exemplo, foi pensamento que não lhe passou pela cabeça. E assim, com
cuidado, foi guiando. Mesmo porque, inexplicavelmente, o carro não estava bom. Custava a puxar. Mantinha a velocidade sofrendo. O motor como que gemendo sob tanto esforço. Parecia não querer esquentar.
Depois do primeiro quilômetro, percebeu que o negócio não estava nada bom. As palmas das mãos suavam na direção. Nunca havia guiado caminhão. Mas calculava que a força que despendia devia ser a mesma da de um chofer de Fenemê. Que seria?
Com olhar inquiridor, percorreu todos os botões do painel. Parecia não haver nada fora do lugar habitual. E, de repente, deu-lhe o estalo. O breque de mão! Mas não. Estava solto até o fim. Só que, ao experimentá-lo, o carro guinou-lhe para a
esquerda. Que coisa mais esquisita. Que diabo teria aquele automóvel? Diminuiu a velocidade e continuou a guiar. Agora com mais cuidado.
Enquanto ia avançando, a cabeça trabalhava. Que dizia o marido que era quando o carro dava de ter caprichos? Carburador entupido? E, se fosse, que podia ela fazer? Nem sabia onde se escondia esse culpado carburador. Velas? Velas sujas? E daí? Sujas
ou limpas, só pedia a Deus que aguentassem até o clube. Felizmente estava quase chegando. Mais três quadras e pronto.
Mas essas três quadras finais foram, de fato, o fim. O carro perdeu as forças. E deu de soluçar.
"Não, gemeu ela. Aguente mais um pouco só, por favor". E engatou a segunda. O pobre continuou a soluçar. Mais espaçadamente. Os soluços rítmicos sacudiam-na de segundo em segundo. Quando, finalmente, parou, diante do portão do clube, com um suspiro
de alívio, toda ela era a imagem perfeita de uma perfeita desatinada. Guiar assim, nunca mais!
"Mamãe. O carro está com dois pneus no chão". Olhou. Era verdade. Pensara em tudo. Menos nos pneus. Como poderia saber que era isso? Hoje ela sabe.

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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