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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 258)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
4 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE "Tê"
Lydia Federici
Que bobagem é essa, menina? Amor nasce em qualquer lado. Cresce em qualquer canto. Pode viver de coisas simples. Basta,
apenas, haver dois corações sinceramente enamorados.
Eles, por exemplo, não são de praia. Nem de beira de mar. Não frequentam o XV nem tomam chope no Boqueirão. Enfeitam, porém, ruas modestas do Marapé. E seus arrulhos, pode ter a certeza, são tão vivos quanto o embalo caricioso do mar. E lhe têm a
mesma doçura. Viram-se no bairro. Onde trocaram o primeiro sorriso de simpatia. Aproximaram-se, entretanto, ou melhor, foram aproximados pela missa vespertina das terças da Igreja de Santo Antonio do Valongo. Foi o bom santo, sem dúvida, que os
uniu. Milagre do amor a nascer que, um, vivendo do olhar da outra, e outra, sonhando com o sorriso de um, estão esquecendo de agradecer semanalmente ao santo casamenteiro.
Que fazem eles? Pois, cuidam de suas vidas. Agora bem mais interessantes, porque semientrelaçadas. Nas horas livres, gostam de sair. Passeiam sempre que a noite é amena. Quando não, ficam na sala. Olhando-se e olhando um álbum em que ambos
colecionam coisas de que gostam.
É evidente que preferem as noites sem chuva. o céu, amplo, é moldura maior para seu carinho. Saem os dois, então. A caminhar. Que eles não têm carro. Passam sempre pelas mesmas ruas. Rumo a uma praça cujo sossego escolheram. Quando sentem perfume
de flor, param. É tão bom! Ele procura, com os olhos, além-muros, a rosa perfumosa. Se estiver ao alcance da mão, rouba-a. Afinal, moradores da zona, donos de roseiras floridas, pensando bem, não fica muito mais bonita a rosa na mão de uma moça
enamorada que na ponta de um galho espinhudo?
Se são felizes com tão pouco? E é pouco ser jovem? Sentir o coração bater forte? Dividir alegrias e mágoas? Compreender que, de mãos dadas, é mais fácil caminhar? Saber que, se alegria não resolve, tristeza, em compensação, dificulta tudo? Por isso
são felizes. E passeiam a rir. Riem de tudo e de nada. Esquecem-se, às vezes, de falar. Compreendem-se em silêncio. Que silêncio, pra quem ama, é ainda a melhor conversa.
Ele a chama de Tê. Tê, abreviação de Teresa. Nominho que ele inventou. E que não se cansa de repetir.
"Tê"! Esse Tê é mel. Tanto nos seus lábios quanto aos ouvidos dela. Se ela responde? Responde sempre. Essa certeza é que é boa. Às vezes faz: "Uhm?" Às vezes, olha-o mais de perto. Outras vezes só lhe aperta um pouco mais a mão. E é só. Qualquer
dessas respostas leva um mundo de ternura.
Na Olímpio Lima, pracinha sossegada, simples, familiar, calma e acolhedora, ficam andando ao lado de outros pares. Destacam-se pela jovialidade. Por uma ternura que se expande, ruidosa e espontânea, em risos. Ao contrário da maioria. Que se tortura
e suspira. Como se amor não fosse a alegria que é. Ou que deveria ser. Exatamente como eles sabem sentir.
É, menina. Não é só em ambiente especial que há amor a nascer e a crescer. Amor dá em qualquer lado em que um rapaz, rico ou pobre, encontre a sua Tê. Uma Tê que o compreenda e que lhe queira bem. Nada mais.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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