GENTE E COISAS DA CIDADE Dia de Saudade
Lydia Federici
Hoje é dia de saudade. Saudade só de passado. Mais doída de aguentar porque não tem esperança. Não neste mundo, pelo
menos. E o pior é que é uma saudade geral. Uma saudade que cobre todo o mundo. Porque, por toda a superfície da terra, não há ninguém que não tenha alguém de quem sentir falta. E saudade.
Dia triste o de hoje. Até Akemi, nos seus pequeninos dois anos, sabe o que é saudade. Veja, porém, meu amigo, se não é assim que gostaríamos de sentir essa ausência-presente de alguém que já se foi.
***
Quando o avô de Akemi foi embora, não lhe esconderam a verdade sob roupagens mentirosas. Explicaram-lhe a razão de sua ausência. Disseram-lhe onde ele estava. Como o entendeu a menina, é coisa que
ignoramos. Sabia que não ia vê-lo mais.Nem hoje. Nem amanhã. Nem depois de depois de amanhã. Sabia também que ele estava deitado, dormindo e descansando. Num lugar cheio de flores. Onde ela, também, ia sempre levar a sua florzinha bonita.
Acontece que, num domingo, ao ir visitar o lugar onde dormia seu avô, Akemi estacou. Maravilhada, arredondou os olhinhos amendoados. As mãos gorduchas deixaram tombar as flores que levava. Juntaram-se-lhe no pito. Um sorriso ponteado de quatro
dentes brancos brilhou-lhe nos lábios.
"Oditiam. Xê tá i?"
Não havia incredulidade na sua pergunta. Apenas alegria. Toda a alegria que uma criança pode sentir diante da melhor coisa do mundo. Erguendo a saia que a impedia de subir na pedra de mármore, ela trepou, apressada, pelos dois degraus e correu para
o busto de bronze. As duas cabeças ficaram na mesma altura. Exatamente como antes, quando ele a segurava no colo. E, como antes fazia, a menina abraçou o pescoço do avô. Apertado. Apertado. Beijou-lhe o rosto. Sem perceber o frio do bronze.
Beijou-o uma, duas, dez vezes.
"Oditiam. Akemi tava com tanta xodade". Passava-lhe a mão pelas faces. Com os dedinhos acariciava os cabelos retos. Duros. Sempre a sorrir. Feliz por tê-lo ali. Depois começou a contar-lhe coisas. E ria. Mostrou-lhe o vestido. Perguntando-lhe se
estava "nito". Mostrou-lhe as meias. Os sapatos. perguntou-lhe coisas também, encostando o corpo gorducho contra os ombros do avô. Beijava-o. E repetia:
"Oditiam. Akemi tava com tanta xodade de xê!"
***
Ai. Se pelo menos no dia de hoje, neste dia de saudade maior, a gente pudesse voltar a ser criança. Para sentir como Akemi sente!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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