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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 257)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 2 de novembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Dia de Saudade

Lydia Federici

Hoje é dia de saudade. Saudade só de passado. Mais doída de aguentar porque não tem esperança. Não neste mundo, pelo menos. E o pior é que é uma saudade geral. Uma saudade que cobre todo o mundo. Porque, por toda a superfície da terra, não há ninguém que não tenha alguém de quem sentir falta. E saudade.

Dia triste o de hoje. Até Akemi, nos seus pequeninos dois anos, sabe o que é saudade. Veja, porém, meu amigo, se não é assim que gostaríamos de sentir essa ausência-presente de alguém que já se foi.

***

Quando o avô de Akemi foi embora, não lhe esconderam a verdade sob roupagens mentirosas. Explicaram-lhe a razão de sua ausência. Disseram-lhe onde ele estava. Como o entendeu a menina, é coisa que ignoramos. Sabia que não ia vê-lo mais.Nem hoje. Nem amanhã. Nem depois de depois de amanhã. Sabia também que ele estava deitado, dormindo e descansando. Num lugar cheio de flores. Onde ela, também, ia sempre levar a sua florzinha bonita.

Acontece que, num domingo, ao ir visitar o lugar onde dormia seu avô, Akemi estacou. Maravilhada, arredondou os olhinhos amendoados. As mãos gorduchas deixaram tombar as flores que levava. Juntaram-se-lhe no pito. Um sorriso ponteado de quatro dentes brancos brilhou-lhe nos lábios.

"Oditiam. Xê tá i?"

Não havia incredulidade na sua pergunta. Apenas alegria. Toda a alegria que uma criança pode sentir diante da melhor coisa do mundo. Erguendo a saia que a impedia de subir na pedra de mármore, ela trepou, apressada, pelos dois degraus e correu para o busto de bronze. As duas cabeças ficaram na mesma altura. Exatamente como antes, quando ele a segurava no colo. E, como antes fazia, a menina abraçou o pescoço do avô. Apertado. Apertado. Beijou-lhe o rosto. Sem perceber o frio do bronze. Beijou-o uma, duas, dez vezes.

"Oditiam. Akemi tava com tanta xodade". Passava-lhe a mão pelas faces. Com os dedinhos acariciava os cabelos retos. Duros. Sempre a sorrir. Feliz por tê-lo ali. Depois começou a contar-lhe coisas. E ria. Mostrou-lhe o vestido. Perguntando-lhe se estava "nito". Mostrou-lhe as meias. Os sapatos. perguntou-lhe coisas também, encostando o corpo gorducho contra os ombros do avô. Beijava-o. E repetia:

"Oditiam. Akemi tava com tanta xodade de xê!"

***

Ai. Se pelo menos no dia de hoje, neste dia de saudade maior, a gente pudesse voltar a ser criança. Para sentir como Akemi sente!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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