Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d250.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:25:03
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 250)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 25 de outubro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Dia do Boqueirão

Lydia Federici

Veja como são as coisas. O mar mais manso das praias de Santos é o do Boqueirão. E essa mansidão do mar transportou-se à vida do bairro. À gente do bairro.

Havia a capelinha do Embaré. A marcar, com a torre aguda que sobressaía dos telhados do casario, a religiosidade calma da gente do Boqueirão. Havia o Miramar também, é verdade. Local de diversões. Exatamente na boca do primitivo Boqueirão. Lembram-se do "vá hoje ao Miramar. Ainda mesmo que chova"? Havia o grande e alto paredão da chácara do Júlio Conceição. Chácara? Orquidário é que aquilo era. Solenemente guardado por dois leões deitados sobre os pilares de um portão que, ái! só se abria a turistas estrangeiros.

Sim. Silencioso e sossegado era o Boqueirão. Boqueirão sem pensões nem hotéis. Exclusivamente residencial. De vida cismadora. Pacata. Calma. Onde todo mundo vivia rodeado pelas suas plantas. Onde todo mundo, rico, menos rico, ou pobre, se conhecia. E se cumprimentava com afabilidade. Um bairro que os moradores amavam de amor manso. Amor antigo. Sem grandes exaltações. Amor feito de amizade. Amor sentido em silêncio.

O Boqueirão era assim. Tinha sua fama, é verdade. Mas vivia em paz dentro da paz citadina. Feliz no seu sossego. Caladão. Sossegado apesar de viver grudado ao bulício do fervilhante Gonzaga.

De repente, Santos acorda. Descobre que suas praias valem ouro. Sacode-se toda num despertar maravilhado. E o Boqueirão, nada. Sempre calmo. Quando muito, esticando os olhos para o progresso dos outros bairros, sentia que estava ficando para trás. Deslustrando o crescer da cidade a que, mais que outro qualquer, pela antiguidade, tinha a sorte de pertencer. O dever de engrandecer.

Mas um dia o Boqueirão acordou. E que despertar, valha-nos Deus. Como estivera acumulando forças, no seu dormitar preguiçoso, ao abrir os olhos, arregaçou as mangas e pôs-se a trabalhar. Em pouco tempo transformou-se nisso que aí está. Um bairro capaz de orgulhar qualquer cidade para que fosse transportado. E que, como isso é impossível, felizmente, serve de orgulho para a cidade em que nasceu. De cuja vida faz parte.

Está ficando, está realmente importante o Boqueirão. Pois se até o seu dia já tem. Vinte e cinco de outubro. Dia do Boqueirão. Dia oficializado por lei, sim senhor. É por isso que hoje o velho bairro estará em festa.

Veja como são as coisas. O mar que banha sua praia continua a ser o mais manso da orla. Mas essa mansidão, agora, só pertence ao mar. Que a vida do bairro mudou. Não é mansa não. E a velha gente do bairro também não é mais aquela gente de amor silencioso e calmo. Ama de amor gritado. Tão verdadeiro quanto o antigo. Mas um amor que se expande. Um amor que quer mostrar as belezas de seu bem. Que sente prazer em repartir. Em dar.

Hoje é o Dia do Boqueirão. Oxalá, com o mesmo orgulho amoroso, todos os outros bairros santistas possam ter seu dia de exaltação. De festa.

Parabéns, Boqueirão de Santos!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série