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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 246)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 20 de outubro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Ana Costa

Lydia Federici

Há gente que derruba árvores. Árvores plantadas em ruas da cidade. É só os jardineiros espetarem, no chão, o tronco ainda fino de uma saboneteira. E pronto. Um par de mãos vinga-se de maldades humanas quebrando a planta ainda tenra. Que culpa tem ela? Nenhuma. Mas paga. Silenciosa e indefesa, aguenta a maldade. Mas quem vai ligar para lágrimas de planta? Lágrimas que escorrem em silêncio? Se nem para as humanas, muitas vezes, se liga.

Felizmente, para contrabalançar a ingratidão de mãos que devastam, há mãos que estaqueiam. Que dão de beber. Que protegem. Que replantam. Estas mãos agem impulsionadas por mentes que compreendem a utilidade de um pouco de sombra verde. E levam o carinho de corações que amam a natureza.

Há um mundo de gente, na cidade, que gosta de plantas. Pérsio, por exemplo. Pérsio Martins é um deles. Um dos de voz mais ativa. Porque fala grosso e põe, na fala, toda a indignação que lhe vai n'alma.

Quando viu, na Ana Costa, o corte dos galhos e, logo a seguir, a serra dos troncos de algumas árvores que se enfileiram no canteiro central, Pérsio não se conformou. Numa cidade de verão duro, de sol esturricador, derrubar uma árvore de rua é crime. Mais que isso. Verdadeiro sacrilégio.

De fato é. Só que, com a Ana Costa, acontece algo de muito especial. O mal não é, agora, arrancar árvores. Árvores de diversas espécies. O pecado surgiu quando ali foram espetadas, a esmo, no intervalo das palmeiras, árvores de qualidades diferentes. E já explico a razão.

A Ana Costa sempre foi a principal avenida de Santos. Da base do Monte Serrate até a praia, numa extensão de dois quilômetros, a Ana Costa, no seu canteiro divisório, foi plantada com palmeiras imperiais. Quando a copa verde, viçosa, toda franjada, brilhante, atingiu uma certa altura, a avenida se transformou na rua dos coqueiros. Na avenida das palmeiras. E adquiriu um ar tão próprio, um aspecto tão típico, que as palmeiras, enfileiradas sobre a faixa extensa e reta, passaram a ser a característica, o símbolo representativo da cidade. Quem, com mais de "vinte e um" anos, não se lembra desses tão típicos cartões postais?

O tempo fez acontecer o que tinha que acontecer. Palmeiras foram adoecendo. Perdendo o viço. Definhando. Morrendo. Para substituir as que iam indo embora, em lugar de replantar mudas de palmeiras, plantaram-se árvores de crescimento mais rápido. A ideia tinha o seu valor. Plantas mais copadas dariam mais sombra. Em muito menos tempo. Mas acontece que, com essa mistura, a Ana Costa das orgulhosas palmeiras imperiais perdeu o seu encanto. A grandeza da uniformidade. O típico de seu ajardinamento. Ficou sendo uma rua como outra qualquer. E nunca a avenida das palmeiras. A mais bela artéria de Santos. A que identificava a cidade. Em breve, porém, ela voltará a ser o que era.

Choremos as árvores que caem. A beleza da nova Ana Costa merece o sacrifício.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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