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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 240)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 13 de outubro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

De cá ou de lá?

Lydia Federici

Era português da cabeça aos pés. De longe, só de lhe ver o andar, já se podia adivinhar de que terra era filho aquele homem de tronco redondo. Era o tipo do verdadeiro português. Não que usasse terno de corte diferente. Ou grandes bigodes reveladores. Mas todo ele era lusitano. Pela saúde calma do corpo retaco. Pela ginga das pernas fortes. Pelo orgulho da cabeça emergindo do pescoço grosso. Pela grande cara honesta e boa. Cheirava a terra duramente cultivada. Assim como um nordestino cheira a terra seca. E sofrida.

Era português. Português com quarenta anos de Brasil. Mas ainda e sempre verdadeiramente português. Vivendo a vida do seu Portugal distante. Orgulhando-se com seus sucessos. Nunca se esquecendo de comemorar, com um verde genuíno, as datas festivas da pátria. Sofrendo, na alma simples, as dores e dúvidas de todo seu povo.

Todos seus filhos aqui nasceram. Dos lábios paternos nunca ouviram uma queixa sequer contra as coisas do Brasil. Ao contrário. Aprenderam a amar esta terra pelo bem e pelo respeito que seus pais por ela sempre sentiram. E nunca, também, pela cabeça de nenhum dos filhos, passou a ideia sequer de menosprezar algo que se referisse à terra dos pais. Mas uma coisa era certa. Os pais eram portugueses. Os filhos, brasileiros. Quanto a isso, não havia dúvida. Cada qual era o que era. E pronto. Nada de discussão.

Acontece que entrou o futebol no meio da história. Havia entrado, ou tentado entrar, antes. Mas como o futebol, para a família, não contava muito, foi coisa a que ninguém deu importância. Não houve torcida. Nem dúvida. Nem briga. Foi luta, para eles todos, resolvida por vinte e dois pares de boas pernas coirmãs. Sem reflexos familiares.

Mas, na quinta-feira, a decisão era importante. Coisa assim de saber quem era o melhor do mundo. E frente a frente estava o Benfica. Benfica de Lisboa. Capital florida de Portugal. E o Santos. O Santos de Santos. O Santos justamente ali da Vila Belmiro.

Na hora do jogo, filhos casados e filhas solteiras sumiram de casa. Ou deixaram a visita para o dia seguinte. Ou saíram, coincidentemente, para fazer visitas. Ficaram os dois velhos sozinhos em casa. Jantaram, sossegados, num canto da mesa da cozinha.

Depois, enquanto a mulher lavava a louça e as panelas, ele foi para a sala. Ligou o rádio. Com o mínimo de volume. E ficou, ouvido grudado no aparelho, a beber a irradiação. Não entendia de futebol. Mas sabia o que era gol. E conhecia, de ver, o Pelé, o Coutinho, o Zito, o Pepe. Conhecia de rua. Não do campo.

"Oh, homem! Acabaste de jantar e estás a torcer-te dessa forma? Vê se me arranjas um ataque!" Ele sossegou na cadeira. Vermelho como um pimentão.

"O Santos está a ganhar, mulher. Não me importunes!"

"E tu estás contente com isso? Não és português?" Ele embatucou. Pois não é que ele já não sabia mais o que era? Que coisa esquisita!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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