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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 241)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
14 de outubro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Dia do Professor
Lydia Federici
Formou-se muito nova ainda. Pouco mais de dezesseis anos. Sentiu-se importante com seu título de professora.E cismou
que havia de utilizá-lo. Pois essa era sua vocação.
"Você não tem idade suficiente para se meter sozinha num fim de mundo". Essa foi a sentença da família. Irrevogável. Cortando-lhe, de vez, uma carreira que nem chegara a iniciar. Senão na imaginação.
"Professora? Com esse corpo e essa carinha? Você tem mais jeito de aluna que qualquer de seus possíveis alunos". Essa a opinião dos amigos.
Mas ela nascera para lecionar. E foi o que, teimosamente, começou a fazer. Descobriu uma sala de aula no litoral. Levava mais tempo indo e vindo que propriamente trabalhando. Foi professora pública de crianças. E particular, por amor, de alguns
pais de crianças. Alfabetizou e preparou alunos para o curso secundário. Lidou com cartilha e bacia de água e sabão. Foi professora, mãe e enfermeira. Conselheira e servente. Ensinou, educou, conduziu, para uma vida menos selvagem, pequeninos e
grandes.
Quando, três anos depois, conseguiu remoção para uma escola isolada, num dos morros daqui da cidade, só se dispôs a largar sua "família" do litoral quando descobriu, na substituta, o mesmo seguro ideal que a animava.
No morro, fez o que costumava fazer. A subida diária, pela quase picada, com sol e chuva, carregada de pacotes de mantimentos e roupas, estragou-lhe a saúde. A desaprovação da família preocupada, repetida, em longas conversas, todos os dias,
juntou-se ao cansaço. Levou-a ao esgotamento. Às horas de aula, de ensinamento, de conselhos, de socorro moral e material, teve que unir, por necessidade, de muito mau grado, horas de tratamento.
E assim continuou. Por anos. Quando, finalmente, chegou a um grupo da cidade, a família respirou. Agora sim. Ela teria mais folga. Engordaria um pouco. Encontraria tempo para descansar. Distrair-se um pouco. Perderia as olheiras. Não mais se
mataria de trabalho. Pois sim! Descobriu, no grupo, alunos-problemas. Dedicou-se a eles como nunca se dedicara a coisa alguma. Arrumou alunos particulares. Abriu-lhes, para a luz, a mente fechada. Escura. Lerda. Com paciência e amor, durante anos,
trabalhou crianças desajustadas. Guiou-as para uma vida um pouco menos fechada. Mais útil. Mais feliz.
Quando se aposentou, conservava o corpo miúdo. E a carinha de criança. De criança cansada. Gasta. Maltratada. Doente. Mas havia luz em seus olhos calmos e profundos. A luz que nunca abandonara. E à qual, estranhamente, parecia ter-se juntado toda a
luz, toda a grande luz que esparramara, por mais de trinta anos, com seu coração de mestra, ao seu derredor. Hoje descansa? Talvez. Mas não acredito muito. Sua mão há de estar guiando o lápis seguro por uma inexperiente mão infantil. Ou
desajeitadamente agarrado por mãos cheias de calos. Nasceu e vive professora. Vai morrer ensinando. Que Deus a abençoe. E a todos os seus colegas de profissão. De profissão? Não. De ideal! Que Deus os abençoe. A todos.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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