GENTE E COISAS DA CIDADE Drama chuvoso
Lydia Federici
Pescador ele foi. Compreendemos, portanto, com facilidade, que ele seja o padroeiro dos homens do mar. Que o tenham
como chaveiro das portas do céu, é outra de suas funções. Plenamente justificada. Que também aceitamos.
Mas de onde saiu a ideia, espalhada entre o povo, de que o bondoso São Pedro seja o santo que manda a chuva? Isso ninguém sabe. Ninguém explica. O máximo que qualquer amigo, ouvindo-nos as queixas, pode dizer, é:
"Entenda-se com São Pedro".
Mas por que justamente com ele? Ué! Porque esse negócio de chuva é com ele. É porque é. Sempre foi. Assunto liquidado. E louco é quem se mete a querer mudar as coisas do céu. Pelo menos do céu imaginado pela nossa pobre mente humana.
Encontrei uma louca, entretanto. Que se rebelou, mansamente, contra a ideia de um homem, embora santo, abrir ou segurar fechadas as torneiras do céu. A história toda começou justamente por causa dessa chuva que dia sim, dia não, nos ensopa os
ossos. Ela, com a família, mora em apartamento. Apartamento com sala e dois quartos. Cozinha, banheiro e área de serviço. Dos médios, logicamente.
Só que não é como, de falar assim, parece ser. Porque a superfície coberta por tudo isso é das menores. Tudo reduzido ao mínimo permitido pelo código de obras. Na verdade, é um tico de apartamento.
Usado por uma família que, de pequena, não tem nada. Pai, mãe e quatro guris. Desses de boa raça. Que, do banheiro onde acabaram de ser esfregados a bucha, não conseguem chegar até o quarto sem estar precisando de outro banho. E de toda a roupa
novamente trocada.
Imaginem, portanto, o que há de roupa, ali, por lavar e secar. Como o orçamento ainda não deu para comprar uma máquina de lavar, são as duas mãos maternas que esfregam, enxáguam e torcem, duas, três vezes por dia, todos os quilos de roupa que se
vão acumulando no canto do banheiro. Ora! Lavar é o de menos. Enxugar é que são elas. Com chuva, o ar fica úmido. E a roupa, embandeirando o teto da área, enfeita também, em varais improvisados, a cozinha, o banheiro, até o living.
"Está vendo só? Não é de enlouquecer este tempo?" perguntou, enxugando as mãos no avental de plástico. Como se plástico, é boa, servisse de toalha.
"Fale com São Pedro, menina. Explique a situação".
Colocou as duas mãos na cintura. Empurrou para um lado um macacão cujas pernas azuis lhe batiam no alto da cabeça. Tornou a acavalar as mãos na cintura. Seus olhos chispavam. Seus lábios não sorriam.
"Falar com São Pedro? E que entende ele, se me faz o favor, de lavagem de roupa? De secagem de roupa? Como pode ele compreender este drama todo?" Abarcou, de um gesto, o teto de todo o apartamento. "Quem devia cuidar da chuva era uma mulher. Uma
santa. Que tivesse sido lavadeira. Aí, sim, esse negócio funcionaria a contento!"
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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