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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 237)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de outubro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Drama chuvoso

Lydia Federici

Pescador ele foi. Compreendemos, portanto, com facilidade, que ele seja o padroeiro dos homens do mar. Que o tenham como chaveiro das portas do céu, é outra de suas funções. Plenamente justificada. Que também aceitamos.

Mas de onde saiu a ideia, espalhada entre o povo, de que o bondoso São Pedro seja o santo que manda a chuva? Isso ninguém sabe. Ninguém explica. O máximo que qualquer amigo, ouvindo-nos as queixas, pode dizer, é:

"Entenda-se com São Pedro".

Mas por que justamente com ele? Ué! Porque esse negócio de chuva é com ele. É porque é. Sempre foi. Assunto liquidado. E louco é quem se mete a querer mudar as coisas do céu. Pelo menos do céu imaginado pela nossa pobre mente humana.

Encontrei uma louca, entretanto. Que se rebelou, mansamente, contra a ideia de um homem, embora santo, abrir ou segurar fechadas as torneiras do céu. A história toda começou justamente por causa dessa chuva que dia sim, dia não, nos ensopa os ossos. Ela, com a família, mora em apartamento. Apartamento com sala e dois quartos. Cozinha, banheiro e área de serviço. Dos médios, logicamente.

Só que não é como, de falar assim, parece ser. Porque a superfície coberta por tudo isso é das menores. Tudo reduzido ao mínimo permitido pelo código de obras. Na verdade, é um tico de apartamento. Usado por uma família que, de pequena, não tem nada. Pai, mãe e quatro guris. Desses de boa raça. Que, do banheiro onde acabaram de ser esfregados a bucha, não conseguem chegar até o quarto sem estar precisando de outro banho. E de toda a roupa novamente trocada.

Imaginem, portanto, o que há de roupa, ali, por lavar e secar. Como o orçamento ainda não deu para comprar uma máquina de lavar, são as duas mãos maternas que esfregam, enxáguam e torcem, duas, três vezes por dia, todos os quilos de roupa que se vão acumulando no canto do banheiro. Ora! Lavar é o de menos. Enxugar é que são elas. Com chuva, o ar fica úmido. E a roupa, embandeirando o teto da área, enfeita também, em varais improvisados, a cozinha, o banheiro, até o living.

"Está vendo só? Não é de enlouquecer este tempo?" perguntou, enxugando as mãos no avental de plástico. Como se plástico, é boa, servisse de toalha.

"Fale com São Pedro, menina. Explique a situação".

Colocou as duas mãos na cintura. Empurrou para um lado um macacão cujas pernas azuis lhe batiam no alto da cabeça. Tornou a acavalar as mãos na cintura. Seus olhos chispavam. Seus lábios não sorriam.

"Falar com São Pedro? E que entende ele, se me faz o favor, de lavagem de roupa? De secagem de roupa? Como pode ele compreender este drama todo?" Abarcou, de um gesto, o teto de todo o apartamento. "Quem devia cuidar da chuva era uma mulher. Uma santa. Que tivesse sido lavadeira. Aí, sim, esse negócio funcionaria a contento!"


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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