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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 235)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 6 de outubro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Coisas da memória

Lydia Federici

O ônibus chegou exatamente meio minuto depois dela ter parado no ponto. Encostou bem junto ao meio fio. O cobrador não fez cara feia quando ela apresentou, com certo receio, a nota de duzentos. Havia um banco vago. E o rapaz, sentado junto à janela, encolheu-se no seu canto. Ocupando exatamente os cinquenta centímetros dos vinte cruzeiros da passagem.

Há muito tempo não via tanta sorte junta. Reconheceu o fato, sorrindo interiormente. Era moça equilibrada. Que sabia levar, com calma, os momentos ruins e os contratempos da vida. mas que sabia, também, dar valor e gozar, com plenitude, todas as suas coisas boas. Pequeninas. Ou grandes.

Enquanto as árvores, a correr, passavam a seu lado, fazendo um barulho monótono e embalador, rememorou o que teria que fazer na cidade. Eram nove coisas. Uma em cada lado. Em cada rua. A primeira, logicamente, seria o recebimento de seu ordenado. Na Prefeitura.

A última, a ida à mercearia, onde encheria de compras a sua sacola de plástico, muito bem dobrada na bolsa grande. Para as sete restantes, traçou o itinerário mais rápido e cômodo. Não gostava de rodar inutilmente pela cidade. Indo e vindo, à toa. Palmilhando, por quatro vezes, o mesmo caminho. De mais a mais, com aqueles sapatos pontudos. Que já lhe começavam a adormecer o dedinho. Os dois. De ambos os pés.

Quando o ônibus parou na Praça Mauá, já traçara, mentalmente, o seu programa andarilho. E conseguiu segui-lo à risca. Recebeu na Prefeitura. Deixou três pés de meia, de fio corrido, com a cerzideira. Esperou, na casa de óculos, que lhe trocassem um parafuso bambo na base do "ray-ban". pagou a conta da Telefônica, conjeturando sobre se, de fato, fizera tantas ligações interurbanas.

Encontrou, logo de saída, sem grande despencar de prateleiras, a blusa de linha que queria dar à irmã mais nova. No modelo, na cor e no número pretendidos. O que era outra grande sorte. Conseguiu trocar, sem que o dono fizesse má cara, botões, linhas e outras miudezas, compradas dez dias antes. Em dois minutos, no cartório, obteve o reconhecimento das firmas de dois requerimentos. Pagou, sentindo os pés em brasa, a conta da água. Pronto! Só lhe faltava ir à mercearia.

Ao caixeiro sorridente, pediu as oito coisas que mentalmente anotara. Ditou tudo de uma só enfiada. Sem titubear.

"Que memória a senhora tem!", comentou ele. Apesar da dor nos pés, ela sorriu. Com prazer. E certo orgulho. De fato, tinha boa memória. Questão de treino. Nada mais que método e treino. Pediu para usar, por um instantinho só, o telefone. Podia ser que, de casa, se tivessem lembrado de mais alguma coisa para ver. Ou fazer. Ou pagar. Ou encomendar. Levantou o monofone. Discou o número 4. Ficou com o dedo no ar. Não se lembrava do resto do número. Não se lembrava e não se lembrou. Teve que pegar, atônita, a lista telefônica.

***

Memória tem dessas coisas, amigos eleitores. Por via das dúvidas entrem, amanhã, na cabine, com nomes e números anotados!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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