GENTE E COISAS DA CIDADE Época de conspirações
Lydia Federici
Que admiração é essa? Todos nós não estamos fartos de saber da história? Hoje, por exemplo, é dia. Dia de reunião. Mas
justamente num domingo? E que tem o domingo? É o melhor dia. Dia sem obrigação de trabalho. Dia de descanso. De horas livres. Quando todos podem comparecer.
Não acreditam? Olhem. Dou-lhes até o local da reunião. É na Ana Costa. Numa casa que fica à direita de quem busca a cidade. Mais ou menos na metade da avenida. Posso até adiantar-lhes a hora em que tudo começa. Exatamente às 15,30.
Chegam aos pares. Aos trios. Uns têm carros. Outros chegam de bonde. E, ainda, alguns a pé. Homens feitos. Rapazinhos, E também moças. Moças, sim. Para tapear? Tapear coisa nenhuma. Elas são elementos ativos. Ativíssimos. Desempenham o papel para
que foram designadas, com o mesmo ardor dos companheiros. Que, nessas coisas, tanto vale o homem quanto a mulher. Creiam-me.
Não param na porta. Como não pararam no portão. Vão entrando, diretos. Lá dentro, cada qual toma o seu rumo. Os homens vão para uma sala. E ficam, a conversar, à espera do chefe. Um chefe que chega exatamente às 15,30 horas. Vestido de preto.
Apressado. Com uma pasta bem presa sob o braço. Deus! Apesar do seu "boa tarde" sem sotaque, o cumprimento, mesmo de longe, tem o jeito típico da velha marcialidade alemã.
Enquanto isso acontece, as moças estão reunidas num galpão isolado. Cheio de cadeiras. Que elas vão ocupando em semicírculo. Cada qual em determinado lugar. A obediência às ordens da chefe é cega. É só ela levantar um dedo, a sala mergulha no
silêncio. Todos os olhos se fixam na figura pequena e magra. A menor delas todas. Mas isso não importa. Tamanho de corpo, nisso, não voga. Vale o tamanho do saber. E, nisso, a chefe recebeu diploma. Fez curso. E continua a ser aperfeiçoada. Que a
tarefa é cheia de truques.
Depois de uma hora de revirar misteriosas folhas, aprendendo, modificando programas, repetindo, investigando o trabalho pessoal executado, melhorando a ação de conjunto, o chefe alourado traz os homens para baixo. Juntam-se às moças. A chefe
pequenina une-se às comandadas. É o grande chefe, com as mãos estendidas, quem dirige, agora, a ação conjunta.
Os minutos passam céleres. Cansados mas atentos, transpirados mas sem um ah! de queixa, eles nem têm tempo de acender um cigarro. Distribuem-se por tarefas. Não discutem as ordens recebidas. Desde o minuto em que entraram para o trabalho,
aprenderam a obedecer. Acreditam, e por gosto, no sacrifício da individualidade em benefício do sucesso da causa em conjunto.
Às 17,30, ouvida a última palavra da última recomendação, levantam-se. Terminada a reunião, saem como vieram. Hoje ninguém ficará para comentar o que houve. Meia hora depois, em São Vicente, a quem os quiser ouvir, dirão o que aprenderam em dezenas
de reuniões trabalhosas. A plenos pulmões.
Que gente é essa? Que conspiração é essa?
São os artistas do "Ars Viva". Que conspiram pró-beleza. Contra a feiura do mundo.

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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