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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 229)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
29 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Combatente de 32
Lydia Federici
Como sempre, quando havia algo de especial para fazer, ele ficava inquieto. E, inquieto, perdia o sono. Sempre fora
assim. Não era nervoso. Apenas ultrassensível. Um tipo equilibrado, à força de domínio. Mas, nos momentos de relaxamento, presa fácil de uma imaginação fértil.
Naquela noite, fora assim. Varara a noite a imaginar as cerimônias do dia seguinte. 28 de setembro. Término da revolução constitucionalista. Trinta anos depois. Trinta anos! Que houvera de novo e de bom? Ele não sabia. Tinha a impressão de que tudo
estava como antes. E, no entanto, quanta luta, naquele tempo, por uma Pátria com lei. Por um Brasil mais tranquilo. Mais feliz.
Remexia-se, inquieto. Sem poder dormir. Lembrando. Relembrando. Revivendo tudo a transpirar, apesar da temperatura fria. Só pegou no sono de madrugada. E acordou, em sobressalto, quando a mulher, com o café já pronto, o sacudiu a sorrir. Que horas
eram? Pois tinha exatamente o tempo para vestir-se, tomar café e sair marchando. Depois de um beijo, é claro.
Ele sentou-se na cama. E sentiu a dor no joelho. Comum susto, apalpou-o.
"Reumatismo?", perguntou ela, querendo brincar. Ajudava-o a levantar-se. Sabia bem o que era. Mas por que justamente naquele dia?
"Antes fosse. Passei a noite a lugar, como um bobão, e olhe no que deu. E o pior é que vão dizer que é pose".
"Ora. Você sempre foi posudo, meu velho. Pose a mais ou a menos não vai fazer diferença". Ele fez uma careta, empurrou-lhe a mão protetora e foi para o banheiro. A mancar.
No café, perguntou-lhe se ela não iria. Iria sim. Mas mais tarde. Dadinho o levaria até a José Bonifácio. Voltaria. Lá pelas 10 ela se encontraria com ele. Ou precisava de alguém que o ajudasse? O joelho tinha melhorado? Ao despedir-se, com um
beijo rápido, ela segurou-o pelos braços. Olhou-lhe os olhos castanhos. Perguntou-lhe em voz baixa.
Era uma pergunta estranha. Ele baixou a cabeça. Seus cabelos brancos ficaram, como uma mancha de prata, brilhante mas triste, diante dos olhos perscrutadores da mulher silenciosamente aflita. Ergueu a cabeça, sorriu com impaciência. E saiu sem
responder. Não podia dizer-lhe o que sentia.
Quando se encontraram, à saída da Catedral, ele procurou-lhe o rosto pequenino. Ela cumprimentava um amigo, mas logo o olhou com o seu jeito calmo, levemente curioso. Acariciou-lhe a flamulazinha alfinetada no bolso do paletó. E sorrindo, orgulhosa
e emocionada, ficou à espera.
Ele apertou-lhe o braço. Apontou, com o queixo, o centro da praça. Onde, ao pé do monumento, tremulavam as bandeiras auriverde e a de treze listas.
"Eu acho que... eu sei, agora, que faria tudo de novo. Tudo e muito mais!"
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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