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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 227)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
27 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Gentileza de soldado
Lydia Federici
Há poucos dias, num dos ônibus da Santos-São Vicente que passava pela Conselheiro Nébias, subiu um soldado. Devia ser
um dos recrutas do Forte. Rapaz novo. Forte e bonito na sua farda verde. A túnica moldava-lhe o tórax redondo. Ou ele deitara corpo fazendo exercício. Ou aquele blusão encolhera. De qualquer forma, dava gosto de vê-lo. Queimado e sorridente.
Subiu pela porta da frente. Passou os olhos pelos bancos. E antes que os passageiros avançassem, aboletou-se num lugar vago. Largou o corpo com prazer. Esticando as pernas compridas. Endireitando, num espreguiçamento, o casquete que lhe apertava a
cabeça raspada.
Sentou-se e ali ficou. Relaxando todo o corpo. Cansado, talvez. Mas como, cansado, se agora é que ia para São Vicente?
Na próxima parada, o ônibus lotou. Todos os bancos estavam ocupados. Passageiros ficavam de pé. Justamente ao lado do recruta, parou uma mulher de aparência humilde. Moça ainda. Mas pesada. Muito pesada com o peso de um bebê que não tardaria muito
tempo a vir gritar a luz do dia. Quando o carro deu a partida, ela, mal segura, ainda arrumando na bolsinha de plástico as notas do troco, desequilibrou-se e encostou no rapaz. Encabulada, pediu desculpas em voz baixa, aprumou-se e firmou a mão no
encosto do banco. Impossível que o recruta não a tivesse visto. Ou que não lhe notasse o estado. No entanto, nem pestanejou. Continuou sentado. Refestelado no banco. Foi um senhor sentado ao lado da janela que se levantou para ceder seu lugar à
pobre moça.
Ora! Não sei o que diz o manual do soldado. Nem sei que ordens ou contraordens eles recebem. Mas sei que um cabo tem que ceder seu lugar a um sargento. Como um capitão a um coronel. Nesse ponto a disciplina militar é bem explícita. Disse-me até um
amigo que, num bonde, por exemplo, o soldado nunca pode permanecer, quer sentado ou de pé, à frente de um superior qualquer. Disciplina hierárquica. Coisa bonita.
Mas que diz o código na parte das relações entre militares e civis? Há alguma lei ou artigo ou parágrafo que imponha ao soldado a obrigação de esquecer os belos princípios da cortesia, da gentileza, da boa educação?
Sei e todos sabem que ao homem que serve à Pátria é garantido, aqui, o direito de viajar sem pagar passagem. Nada mais justo. Não ignoramos, também, que um soldado, nem por ser soldado, perde sua condição humana. Cansa-se como qualquer um de nós.
E, como você ou eu, tem o direito de sentar-se, que diabo. Mas, justamente por ser soldado, servindo à Pátria e à gente de sua Pátria, é que gostaríamos de vê-los mais altivos e orgulhosos de sua força. De sua disciplina. De sua correção exemplar.
Que um civil, anônimo, dê mostras de falta de compreensão humana, de gentileza, vá lá. O egoísta, o mal educado, é ele. Mas que um soldado do Brasil cometa essa falta, é ato que recai sobre o Exército Brasileiro. E se descremos dos nossos
militares, que será de nós?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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30/9/1962 - Notícias militares
"Gentileza de soldado" - Com o título acima, Lydia Federici, consagrada cronista de A Tribuna, comenta em dias desta semana o procedimento deselegante de um soldado do Exército que, sentado num dos ônibus da Viação Santos-S. Vicente, não
teve a gentileza de ceder o seu lugar para uma senhora em "estado interessante".
Você tem inteira razão, Lydia, o moço foi mais que deselegante: foi mal educado. Reiteradas recomendações foram publicadas nos Boletins Internos das Unidades, pelos seus respectivos comandantes, sobre essa questão de "ceder o lugar". Ainda na
semana passada o comandante da Guarnição "dava por bem recomendada" através de Boletim do seu Quartel General, para que fossem alertados todos os soldados da guarnição para esse "gesto de delicadeza".
O problema portanto não é militar, é sobretudo de educação civil daquela que a gente recebe no berço. Um senhor de idade - nos conta Lydia - foi o único entre muitos que viajavam, a ceder o seu lugar. Aqueles outros que não cederam também, aqueles
que não tiveram esse gesto "finesse", diria esse ato de humanidade, amanhã serão também soldados e também falharão nesse mesmo gesto de gentileza. O Exército não pode ditar regras de sociabilidade, incutir delicadeza ou educar em oito meses, o moço
que não teve educação materna a vida inteira. Vamos perdoá-los, Lydia, "eles não sabem o que fazem".
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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