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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 226)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 26 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Pois é, papai

Lydia Federici

Mãe nenhuma precisa de ser convencida a isso. Porque, desde o minuto em que lhe dizem "É uma menina!", ela, cansada mas a sorrir,passa a pensar nesse dia que um dia chegará. É sonho de mãe pobre tanto quanto de mãe rica. Quase tão importante quanto o do casamento. Quanto aos pais, há aqueles que compreendem. Como existem pais que não o fazem. Homem, em geral, acha que isso é bobagem. Coisa perfeitamente desnecessária. Dispensável.

É claro que a festa acontece de mil formas. Pode ser coisa simples. Familiar quase. Como pode ser cerimônia grande. Oficialíssima. Mas que, na vida de uma menina-moça, essa apresentação acontece, isso é coisa garantida. Não há como fugir ao fato.

Para os pais orgulhosos e felizes de dezessete garotas que, no sábado, no Clube XV, serão oficialmente apresentadas à sociedade, aqui vão as emoções de alguém que já passou por isso. Achem graça nos exageros, se quiserem. Mas duvido que consigam a eles escapar. Porque, se filha é filha, pai também é pai.

Uma festa de debutantes deixa, de começo, qualquer pai meio desarvorado. Ele não faz outra coisa senão abrir a carteira. Não sente oura coisa senão o abandono a que a mãe e filha, em preparativos febris, o relegaram. E, mais do que nunca, percebe sempre a contragosto, que sua menina está deixando de ser a menina que ele quer continuar a ter e a mimar como coisa sua. Esta verificação é a mais doída de todas. Deixa-o triste e quase infeliz.

Na noite da apresentação, saindo de casa, ele ajuda a filha a acomodar-se no carro. Ri disfarçadamente. Aí está ela! Tão infantil e criança como sempre. Apesar de querer mostrar pose de moça feita.

No salão cheio de luzes, brilhante e perfumado, ele conversa com os amigos. De repente, vendo os pais das outras garotas, ele começa a ficar nervoso. E abafado. Olha, de soslaio, para a mulher. Ela está plenamente feliz. Até parece que a festa é dela. Há brilho invulgar nos seus olhos orgulhosos. Mas os dedos enluvados enlaçam-se e se desentrelaçam com nervosismo. Ora! Que emoção é aquela?

E, de repente, tudo começa a acontecer. Ele ouve o nome de sua filha. Não percebe como a apresentam. Vê uma figura toda de branco. Envolta num halo de luz branca. Uma alegria suave e doce como a cor branca envolve-a toda. E enlaça-o também. A moça avança. Radiosa. Quase irreal. Mas ele não a distingue. É sua filha. Sabe que é a sua filha. Moça, sim. Não mais criança.

Quer vê-la. Mas os olhos nublados só lhe permitem sentir o quanto ela cresceu! E, na primeira valsa, enlaçando a cintura fina, sentindo-a mulher, ele se espanta com a revelação. Mas sente, ao aconchegá-la mais, o mesmo calor maravilhado, todo ternura e cuidados, com que aninhara, pela primeira vez, a criaturinha pequena que tanto crescera. Ali estava a sua filha! E ele era sempre o pai. Era o que ela, com a voz comovida, lhe dizia a sorrir:

"Pois é, papai!"


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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