GENTE E COISAS DA CIDADE Pois é, papai
Lydia Federici
Mãe nenhuma precisa de ser convencida a isso. Porque, desde o minuto em que lhe dizem "É uma menina!", ela, cansada mas
a sorrir,passa a pensar nesse dia que um dia chegará. É sonho de mãe pobre tanto quanto de mãe rica. Quase tão importante quanto o do casamento. Quanto aos pais, há aqueles que compreendem. Como existem pais que não o fazem. Homem, em geral, acha
que isso é bobagem. Coisa perfeitamente desnecessária. Dispensável.
É claro que a festa acontece de mil formas. Pode ser coisa simples. Familiar quase. Como pode ser cerimônia grande. Oficialíssima. Mas que, na vida de uma menina-moça, essa apresentação acontece, isso é coisa garantida. Não há como fugir ao fato.
Para os pais orgulhosos e felizes de dezessete garotas que, no sábado, no Clube XV, serão oficialmente apresentadas à sociedade, aqui vão as emoções de alguém que já passou por isso. Achem graça nos exageros, se quiserem. Mas duvido que consigam a
eles escapar. Porque, se filha é filha, pai também é pai.
Uma festa de debutantes deixa, de começo, qualquer pai meio desarvorado. Ele não faz outra coisa senão abrir a carteira. Não sente oura coisa senão o abandono a que a mãe e filha, em preparativos febris, o relegaram. E, mais do que nunca, percebe
sempre a contragosto, que sua menina está deixando de ser a menina que ele quer continuar a ter e a mimar como coisa sua. Esta verificação é a mais doída de todas. Deixa-o triste e quase infeliz.
Na noite da apresentação, saindo de casa, ele ajuda a filha a acomodar-se no carro. Ri disfarçadamente. Aí está ela! Tão infantil e criança como sempre. Apesar de querer mostrar pose de moça feita.
No salão cheio de luzes, brilhante e perfumado, ele conversa com os amigos. De repente, vendo os pais das outras garotas, ele começa a ficar nervoso. E abafado. Olha, de soslaio, para a mulher. Ela está plenamente feliz. Até parece que a festa é
dela. Há brilho invulgar nos seus olhos orgulhosos. Mas os dedos enluvados enlaçam-se e se desentrelaçam com nervosismo. Ora! Que emoção é aquela?
E, de repente, tudo começa a acontecer. Ele ouve o nome de sua filha. Não percebe como a apresentam. Vê uma figura toda de branco. Envolta num halo de luz branca. Uma alegria suave e doce como a cor branca envolve-a toda. E enlaça-o também. A moça
avança. Radiosa. Quase irreal. Mas ele não a distingue. É sua filha. Sabe que é a sua filha. Moça, sim. Não mais criança.
Quer vê-la. Mas os olhos nublados só lhe permitem sentir o quanto ela cresceu! E, na primeira valsa, enlaçando a cintura fina, sentindo-a mulher, ele se espanta com a revelação. Mas sente, ao
aconchegá-la mais, o mesmo calor maravilhado, todo ternura e cuidados, com que aninhara, pela primeira vez, a criaturinha pequena que tanto crescera. Ali estava a sua filha! E ele era sempre o pai. Era o que ela, com a voz comovida, lhe dizia a
sorrir:
"Pois é, papai!"
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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