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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 225)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
25 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Alegria de miúdo
Lydia Federici
Menina pode não ligar mais para boneca. Mas ainda está para nascer um garoto que não se entusiasme por um bumbo.
Miúdo não podia fugir à regra. E, apesar do seu tostão de tamanho, sempre conseguiu entrar para a fanfarra do colégio. Das artes que usou, só ele sabe. Gastou quilômetros de conversa. Quilos de insistência. Mas entrou. Conseguiu o seu lugar na
fanfarra.
Não lhe coube um bumbo. Sumiria atrás do grande tambor. Por maior que fosse seu entusiasmo, o braço não aguentaria, por muito tempo, o peso da maceta. Bumbo é para os compridos e fortes. Tampouco poderia aspirar um lugar no pelotão de sopradores.
Que é preciso muito peito, muito fôlego, muita bochecha, para aguentar as notas assopradas. Mas um tamborzinho ele ganhou. Um repique com duas baquetas leves e sonoras.
Agora era treinar. Pegar o ritmo. Fazer os floreados. Nisso o garoto caprichou. Em dois tempos conseguiu fazer o seu tamborzinho cantar. Podia haver entusiasmo e boa vontade nos simples ensaios dos rapazes e garotas do Canadá. Uns vibrando mais que
outros. Mas alegria e orgulho como os que se estampavam no rosto do Miúdo, ah! isso é que não. Repicava a caixa de rufos. E todo ele,no seu tamainho, repicava também. Tão cantante quanto o tambor.
Veio o 6 de setembro. A greve fez gorar o desfile da juventude escolar. Miúdo amaldiçoou a greve. Do fundo do coração.
"Agora quando vai ser? Agora quando vai ser?" queria saber.
Ficou para o dia 15. A greve geral voltou a estragar o programa. Miúdo bateu os pés. Com impaciência. Furtado no seu prazer.
"E agora?", perguntava a quem quisesse ouvir. "E agora?", insistia junto aos que o empurravam para o lado. Só sossegou quando soube que o desfile seria realizado no sábado seguinte. Comemorando a entrada da Primavera.
O sábado amanheceu cinzento. Haveria desfile se o tempo firmasse. Nem meteorologista, naquele dia, prestou tanta atenção às condições atmosféricas quanto o Miúdo. Na tarde ensolarada, a jaqueta vermelha. Passou o repique a tiracolo. Inspecionou as
baquetas enfeitadas. E, grande no seu tamainho, foi para o Gonzaga.
O céu azul encobria-se. Por via das dúvidas, o desfile foi cancelado. Miúdo, quando soube, olhou pro céu. Censurou São Pedro do fundo da alma. Suas mãos socaram o tamborzinho. Ele gemeu. Como gemia a alma do garoto. Foi então, em desespero, que lhe
bateu a ideia. Empunhou as baquetas. Aproximou-se da posição de sentido. O tambor começou a rufar. E o garoto, sozinho, pôs-se a marchar pela avenida. Não sentiu a chuva que principiara a cair.
Altivo, firme, orgulhoso e sozinho ele homenageou a Pátria e a Primavera!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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