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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 224)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 23 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Primavera?

Lydia Federici

Pegue livros ilustrados. Folheie folhinhas. Vasculhe coleção de cartões postais. Veja o que é primavera.

Primavera é cor. Cor viva de flores. Cor alegre de roupas leves. Azul de céu. Azul de alma fagueira. Muito azul de mar tranquilo.

Primavera é natureza de roupa nova. É a vida a reviver no chilreio enamorado dos pássaros. É ânsia de carinhos. É amor que se solta. Feliz.

É ou não é?

É ou não é o que se vê nos livros? O que se sente que deveria ser na natureza?

No entanto, olhe para isso que aí está. Primavera chegou há dois dias. Quem viu o céu azul de setembro? O céu de azul-primavera? Alto. Profundo. Sem fim. Onde a gente larga os olhos. E se perde sem coragem de voltar? Esse tampão cinzento, desculpe-me o responsável, não é céu que se apresente. Mormente quando principia a primavera.

E os passarinhos, sacudindo as asas molhadas, cantando pios enrouquecidos, que propaganda fazem do amor de primavera? Têm jeito de coisa bonita?

E os namorados? De capas ou blusões de gola de pele, com que liberdade podem abraçar capas de nylon, modelo italiano? Como podem dizer coisas gostosas se, do topete, sempre lhe escorrem gotas de chuva? E sempre encontram respingos frios nos olhos riscados de seus amores?

E as flores? Florescem os ipês. Nos troncos escuros, nos galhos sem folhas, despenam os cachos dourados. São manchas de um amarelo aguado. Que a chuva empalidece. A que a moldura de um céu cinzento não dá destaque. Pende triste o ouro da planta nacional. Machucado pelo vento. Desbotado pela água. E cai em horas. Atapetando o chão. De ouro, pelo menos? Ai, não! O chão está sujo. Empardece o amarelo. Nem nos ipês há beleza de primavera.

A primeira estação do eterno ciclo não está dando mostras de ser a mais bela e promissora da família. Não conseguiu, sequer, com sua mão de fada, empurrar, com suavidade, para trás, o frio do inverno. Ao contrário. Escondeu a mão de flor e de perfume num regalo de cor triste. E quem for louco que vista camisa esporte. E quem for louca que se traje num vestido de alça. Mas que diabo de primavera é essa?

Não há velas sobre o mar. Porque o mar não é mar de primavera. Porque o vento não é brisa acariciante de primavera.

E o pior de tudo é que não há, nos corações, a alegria da primavera. Essa alegria de rir a troco de nada. A alegria de espalhar sorrisos sobre todos e tudo. A alegria sem peso de sentir alegria. De sentir-se renascer. De ter vontade de viver.

Que é que está errado? E, seja lá o que for, não é hora de endireitar esta primavera? Ou as coisas da primavera? Ou as gentes da primavera?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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