GENTE E COISAS DA CIDADE Orgulhos de Santos
Lydia Federici
Houve um tempo, e muita gente dele deve lembrar-se, em que santista andarilho, pisando outras capitais, acabava, logo,
logo, por sentir um orgulho danado dos bondes de sua cidade. Como eram sólidos. E limpos. De horário britânico. E gentileza lusa.
Parte desse orgulho, no setor de bondes, ainda permanece. Continuam os bondes santistas, abertos ou fechados, a dar impressão de coisa bem feita. Pesados. Seguros. Sem economia de material. E material de primeira. Sem ripinhas de tostão. Nem ferros
de décimo de milímetro. Sacolejados aí por fora da cidade, é que a gente percebe a diferença. A grande diferença entre os nossos e os outros bondes. Mas ai! A limpeza já não é a mesma. Horário sumiu. E a gentileza lusa tomou rompantes indígenas.
Ora existe. Ora não. De acordo com o humor de motorneiros e cobradores.
Pesando-se, porém, o que ainda temos, a balança, num confronto, ainda oferece ao santista umas gramas a mais. De que, michurucamente, ainda podemos estufar o peito.
E a outra parte de nossos transportes coletivos? Os ônibus?
Ah! Esses também nos orgulham. De modo negativo mas nos orgulham. Temos os piores ônibus do mundo!
Diz uma amiga que, na cidade,não há piores ônibus que os das linhas 19 e 23. São linhas servidas por calhambeques. Sujos. Destroçados. Desengonçados. Destripados. Mal cheirosos. Sem o mínimo respeito por horário. Nem por coisa alguma.
Ora! 19 e 23 são, de certa forma, linhas de bairros internos. Será que essa é a razão de ali estarem os vencedores do concurso de feiura, desleixo e desserviço? Qual o quê! Não há linha que escape. Todas elas, em arrebentação, em desorganização,
podem apresentar-se, em igualdade de condições, para a conquista do título. Desse título que, como já foi dito acima, constitui o orgulho negativo do santista.
A linha 3 é o azar de Narbone. A linha 5, o susto da Washington Luiz. A 4, o calvário da Ponta da Praia. Não há bairro mais ou menos feliz. Todos eles penam as mesmas agruras. Cansam as pernas nos
pontos. Deslocam os rins no trajeto sofrido. Sujam as roupas nos bancos destripados. Apanham chuva pelas janelas cujos vidros não sobem. Tomam sol pelas cortinas que não existem. Cortam a canela na barra de metal que se soltou do degrau da porta.
Que fazer?
O remédio seria jogar esses ônibus no lixo. E providenciar frota nova. Nova de cabo a rabo. Em todas as linhas já existentes. E em outras que precisariam ser criadas.
Aí, então, sim. Por uma semana todo mundo ficaria feliz. Com os ônibus mais novos e bonitos do mundo. Perfeitos de dar gosto. Mas isso seria só durante sete dias. E, por favor, não me perguntem por que.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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