Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d222.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:23:10
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 222)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 21 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Drama de um moço

Lydia Federici

Chama-se Oscar o infortunado. Não sei se é santista. Nascido à beira do mar. Desconfio que não. Mas veio criança pra cá. Criou-se na praia. Em cujo sol livre amorenou. Sua pele é cor de iodo. Sua alma, saborosamente salgada. Ri de ouvido a ouvido. Um sorriso branco como espuma de onda.

Cresceu sem preocupações. Estudou o suficiente para ir passando de ano. No primário, polvilhando a cartilha e o caderno com areia branca. No ginásio, enchendo o "espiral" com letras de foxes. No científico, marcando os problemas de física, as fórmulas químicas, com essas tolas mas suspirosas lembranças femininas: um gancho de fivela, um '3x4' sorridente e amassado, um trevo de três folhas mesmo.

Do dente de leite aos 18 anos, todas as tardes de seus sábados tiveram futebol praiano. As manhãs de domingo, mais futebol, voleibol e um círculo de garotas bonitas. Ou, pelo menos, engraçadinhas. As noites eram de cinema no Internacional. De abraços dançantes no XV.

Nessa alegria despreocupada, viveu Oscar até os seus 18 anos. Livrou-se do Exército como excedente. Mas não se livrou do pai que o mandou fazer o cursinho para o vestibular de Medicina.

Foi assim que Oscar foi parar em São Paulo. São Paulo sem praia. Sem mar. Sem Cleô. Sem Cilinha. Sem Ana Maria. Sem Tuca. Sem Ana Cecília.

Como penou o pobre rapaz. Aos sábados e domingos, no quarto da pensão, enfiava o 'short'. E pensava no mar. E rolava na areia. Conheceu trinta moças altas e louras. Mas tão diferentes das amigas daqui!

Compreendeu o significado da palavra nostalgia. Sentindo-a na alma.

Danou-se de estudar. Dia e noite. Socando a cabeça quando percebia que os lábios repetiam splênio, trapézio, romboide, enquanto seu pensamento o levava para junto das suas garotas, num bar do Gonzaga.

Três meses durou a viagem de Oscar. Sem permissão para nenhuma escapada serra abaixo. Na 14ª semana, a mãe quase o mata de alegria. Ele poderia descer no sábado à noite. Passou os cinco dias restantes sonhando sonhos santistas. Repletos de carícias e conversas e danças femininas.

E, no sábado, clube. Ponto obrigatório de reunião de toda a turma. Oscar sorriu o seu sorriso de espuma para os rapazes. Deu-lhes um tapa carinhoso nos ombros. Mas foi nas meninas que ele quis se perder. Saiu para o meio do salão. Se pudesse, dançaria com todas ao mesmo tempo. Para recuperar o tempo perdido. Contentou-se com uma de cada vez. E, a cada troca, o drama que se iniciara com Cleô, com uma queixa risonha, foi aumentando de intensidade. Acabou por estragar-lhe a noite.

"Não encoste assim, Oscarzinho. Você não vê que está desmanchando todo o meu 'gatinho'? Você está doido? Sabe quanto custa um penteado destes?"

Oscar voltou para São Paulo no domingo à noite. Diz que não mais descerá enquanto vigorar a moda dos penteados intocáveis. Vive um drama de mil diabos. Tenham pena, meninas!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série