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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 221)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 20 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Ponte de sete ruas

Lydia Federici

Não sei quantos metros de largura tem a ponte. Oito ou dez. O mesmo espaço transitável da Avenida Epitácio Pessoa. Num outro ponto qualquer, ela serviria perfeitamente para o escoamento normal do trânsito. Mas não ali. No cruzamento da Epitácio Pessoa com a Siqueira Campos. Bem sobre o canal 4.

É muita rua a convergir sobre a ponte. Nada menos que sete. Sete bocas a vomitar carros e ônibus sobre a ponte perigosa. E olhem que a zona não é dessas de sossego. Bem ao contrário. É um coruscar contínuo a brilhar sobre a ponte. Em ziguezagues de relâmpagos. Numa brincadeira incessante de ir e vir.

Falei em brincadeira? Engano. Brincadeira é diversão. Brincadeira é passatempo para rir. Brincadeira é coisa alegre. Ali, se brincadeira há, é brincadeira de diabo. De diabo bem mau. Que se diverte a assustar. A estragar. A ferir. A machucar. A matar.

É, aquela, uma ponte de aço retorcido e de sangue. Que o digam os moradores da circunvizinhança. Que, apesar da repetição diária, ainda não se habituaram, entretanto, ao chiado angustioso das freadas bruscas.

"O Zé Carlos está em casa?" Ai! Se não estiver, é aquele medo a disparar o coração. Corre-se prá rua prá saber, o estômago apertado, quem foi que provocou aquela brecada.

E além do grito dos pneus e das buzinadas lancinantes, há o barulho de ferro chocando-se contra ferro. E as trombadas contra a grade do canal. Com carros amassados. Motoristas de cara branca. Ciclistas feridos. Passageiros machucados. um mundo de susto. De pena. De revolta. Quem teve a culpa?

Ora! Ninguém tem culpa. Como ninguém escapa sem culpa. São sete ruas em círculo a despejar pedestres e máquinas sobre a ponte do canal. Todas elas são ruas de movimento. Avenidas importantes. Ninguém sabe qual a preferencial. Não há guarda. Não há uma placa indicativa. Todo mundo acha-se no direito de passar. E passa. Passa quando tem sorte. Quando não, fica ali. Amaldiçoando a própria pressa. Amaldiçoando a imprevidência do outro. Mas quem teve a culpa? Quem podia entrar? Quem avançou sem poder fazê-lo?

Antigamente a ponte era lugar de encontros. De boas conversas escoradas pelas grades do canal. Hoje, nem bêbado bem chupado cai na asneira de parar ali. As crianças do São Vicente de Paulo, cuja escola fica a oitenta metros da ponte, sabem que ali não devem parar. Só o tempo necessário para estender os olhos pelas sete ruas e, em cinco segundos livres, já! é ir mexendo as pernas com ligeireza.

E, no entanto, seria tão simples amenizar a sorte da ponte malfadada. Bastaria espetar uma tabuleta aqui. Outra ali. E pronto. O pronto. O problema, pelo menos em parte, estaria resolvido. Como, graças ao bom trabalho da Sociedade Amigos da Cidade ou do Rotary, se resolveram os problemas de outros cruzamentos perigosos.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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