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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 214)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
12 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Por causa da greve
Lydia Federici
No primeiro dia da greve, Osvaldo almoçou na cidade. A noite, em casa, ao tomar o chá de louro, ouviu, sem piar, as
recriminações de Laura. Não que as achasse de todo justas. Mas o caso é que não tinha vontade de entrar em discussão. No momento, só o que ele queria é que seu estômago parasse de doer. Que sua cabeça não rodasse. Que seu fígado não lhe desse
aquelas cutucadas fortes contra as costelas.
Na manhã seguinte, apesar de meio arrasado, resolveu dar o troco. Que, como homem, não poderia deixar de dar. Que pensava ela que ele andara comendo? O que sempre comia em casa. Arroz. Bife. Batata cozida e um legume. Que lhe fizera mal, então? E
sabia ele lá? Talvez o azeite. Isto é, o óleo.
Do bate-boca, uma coisa ficou certa. Mesmo que tivesse que vir a pé, chegaria para o almoço, em casa. À hora que desse para chegar.
Mas às 11 telefonou. Joaquim, o compadre Joaquim, levava-o para almoçar em sua casa. E antes que Laura pudesse abrir a boca, Osvaldo, tão gentilmente quanto possível, desligou o aparelho.
À noite, quando abriu a porta de casa, Laura, da sala, com voz gelada, apontando o dedo para a cozinha, falou:
"O chá está preparado. Sobre o fogão. Na panelinha azul". E virou-lhe as costas.
"Mas, querida. Hoje não preciso de chá. Sinto-me perfeitamente bem. Só um pouco cansado com as espremidelas do bonde".
A moça olhou-o. Deitando os olhos de gato sobre o ombro. "Ahn! Quer dizer que a sua comadre fez a sua comidinha de regime?" Havia ironia na voz ligeiramente decepcionada. Que comidinha de regime, qual nada. Comera do que estava feito. E como
comera! Inclusive uma coisa de que, apostava, ela nunca ouvira falar. Rúcula. Uma verdurinha que era uma delícia. Sabia o que era? E para amanhã, no almoço, a comadre Maria prometera-lhe uma salada especial. Ah! Haveria novo almoço na cidade? Muito
bom para ela. Que poderia descansar da cozinha. Fazendo coisas mais interessantes.
No terceiro dia, a salada especial tinha sido de folhas de beterraba. Folhas de beterraba? Sim! Era só cozinhá-las. E temperá-las. |Com bom azeite português. Umas gotas de vinagre branco. Olhe. Nunca vira coisa mais gostosa. O estômago, com o
vinagre? Pois, até aquela hora, perfeito. Por que ela nunca tivera a ideia de aproveitar as folhas da beterraba? Laura nem piscou.
Na noite de segunda-feira, Osvaldo contou para uma Laura emburrada que havia comido salada de broto. Broto de que? De bambu? Não. De couve. Muito mais gostoso e muito mais barato que brócolis, sabia? Que fazia ela na feira que não via essas
novidades? Só tinha olhos para batata, cenoura e abobrinha? Como é que a comadre Maria descobrira todas aquelas coisas gostosas? E sabia aproveitá-las tão bem?
Naquela noite houve briga. E daí pra cá, se há, na cidade, alguém que quer, veementemente, o fim da greve, é Laura. E se há alguém que não lhe deseja o fim é Osvaldo! Como se regala com os almoços da comadre Maria.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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