GENTE E COISAS DA CIDADE Alcides
Lydia Federici
Já haviam dado o sinal. Mas o garoto levantou o braço e, com um sorriso, ficou ouvindo o tilintar da campainha. Lá,
sobre a cabeça do motorneiro. Quem iria brigar por tão inocente brincadeira? É tão bom mexer-se um pouco depois de quatro horas de imobilidade. Tão bom dar o sinal e ver o bonde, tão grande, obedecer ao toque da campainha! Tão pequena.
Enquanto o bonde diminuía a marcha, o moleque juntou os livros e cadernos sobre o braço. Levantou-se e foi varando o banco. Só alcançou o estribo quando o veículo se imobilizava. Diante do ponto. Pulou para a rua.
Pulou para a rua e ali ficou estendido. Um carro que avançara, entre o bonde e o meio fio, derrubou o garoto. Não teve tempo de defender-se. Nem pensara, talvez, em fazê-lo. Porque sabia que, parado o bonde, no ponto, o carro também teria que
parar.
Não parara. Livros e cadernos rolaram pelo chão. E ali ficaram. Tão inertes quanto o garoto de calças de brim e blusa branca. Aos que foram socorrê-lo, ele tentou sorrir. Foi o único esforço que, assustado, pôde fazer. E disse, muito baixo, com voz
de criança chorosa:
"Chamem minha mãe".
E foi só. Nada mais que isso. Acabou-se dentro da ambulância. Nem ouvindo a sirene. O toque da sirene que ele, como o da campainha, tanto gostava de ouvir.
Quem era o garoto? Quem o matara? Que se iria fazer?
O garoto era um desses milhares de crianças da cidade. Tinha um nome. Como todas as crianças têm. Chamava-se Alcides. Um menino de quase treze anos. Que nunca chegaria a fazê-los. Era bom? Era mau? Ora. Era apenas uma criança. Uma criança que tinha
o direito de crescer. Quem o matara? Um carro. Um carro com uma deficiência mecânica. Ou guiado por um motorista apressado. Ou distraído.
Um carro que poderia ter sido o meu. Ou o seu, meu amigo. Porque, quem se locomove sobre rodas, atrás de uma direção, com o pé no acelerador, é sempre um criminoso em potencial. Embora, acredito-o
piamente, sempre involuntário. Se alguém pudesse prever que, guiando, um dia, mataria uma criança, nunca esse alguém poria sequer um ronronante motor em funcionamento.
No entanto, Alcides morreu. Os pais olhavam-no sem compreender. Quando lhes perguntaram que iriam fazer, os pobres levantaram os olhos secos. Nada! Nada que intentassem fazer lhes traria de volva, vivo, o menino que dormia.
***
Não gosto de histórias tristes. Desculpem-me. Mas todos os que guiam deviam ter visto duas mãos maltratadas ajeitando a cabeça machucada do garoto, sobre o travesseiro duro. No último carinho,
silencioso e impotente, de uma mãe que não compreendia. Que não compreendia porque Alcides morrera assim.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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