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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 212)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 9 de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Queixa

Lydia Federici

É uma senhora. De belos cabelos prateados.

Ora. A uma senhora não se diz não. Muito menos se o tempo lhe branqueou as têmporas. E a nuca. E ainda menos se a gentileza de sua fala, macia e mansa, provoca-nos a vontade de atendê-la.

O caso é o seguinte. Começando desde o começo. Ela mora num antigo bangalô. Que, há coisa de uns dois ou três anos, foi reformado. Vendo-o, brilhante de vidros, colorido de cerâmica, enfeitado com pequeninas pedras, um só detalhe revela a sua idade. Não se debruça sobre a rua. Como, nesta miséria cada vez maior de chão, todas as construções atuais. Ao contrário. Esconde-se, tanto quanto possível, para dentro de um terreno largo e profundo. Coberto de um gramado de grama branca. Liso e igual como um tapete. Alguns tufos de flores rasteirinhas quebram-lhe a monotonia. E na frente do parque, que jardim assim é um parque verdadeiro, há um flamboyant de galhos desnudos.

É nesse flamboyant engalharado que começa a desgraça. Está ali que é um convite à passarada. Um poleiro bem ao gosto dos minúsculos pardais e dos espalhafatosos bem-te-vis. E são estes últimos que completam a desgraça.

Se eles se aboletassem nos ramos com graça, e ali ficassem, calmos, a apreciar a beleza buliçosa da manhã, ou a languidez da tarde que desce, nada sucederia. Acontece, porém, que bem-te-vi não é pássaro silenciosamente contemplativo. Tampouco egoísta. A beleza que vê tem que ser repartida. Com sua mulher. Com toda sua prole. Vai daí o solo estridente que inicia. Solo que vira dueto. Dueto que se transforma em terceto. Em quarteto.

Ora. Moleque é bicho que vive de orelha empinada. Se ouve deslize de minhoca, vê que deixa passar uma sinfonia estridente de gargantas de bem-te-vi. Como o papo amarelo se destaca contra o azul do céu, encontrá-lo é coisa de segundos. E mandar-lhe uma estilingada é ação instantânea.

Ora, novamente. O bem-te-vi está empoleirado no flamboyant. O flamboyant está na frente do bangalô. A pedra sobe. Se tiver a sorte de bater num galho, nada acontece. Mas se o projétil continuar, livre, sua trajetória, há um tinir de vidro estilhaçado.

Sabe você, meu amigo, quanto custa um vidro especial, de dois metros quadrados?

Essa a queixa de uma senhora. De belos cabelos prateados.

Deus! A quem endereçar a queixa? Moleque não lê isto. Polícia também não. Ou, supondo que alguma autoridade responsável saiba da queixa, será que, em véspera de eleição, terá tempo de arrebanhar, dos moleques, os danosos estilingues? Com tantas outras coisas mais importantes a prender-lhes a atenção?

E então? Então, minha senhora, só vejo uma saída. Apelar para os homens é inútil. Enderecemos a queixa aos bem-te-vis. Talvez eles mudem de galho.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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