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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 206)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 1º de setembro de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Setembro chegou

Lydia Federici

Repare. Repare só. Não há um ar de alívio na fisionomia um pouco menos preocupada das pessoas que andam por aí? Claro que sim. Apesar de tudo continuar tão ruim quanto antes, uma pequenina chispa de alegria brilha no centro de cada par de olhos.

Haverá casamentos. um mundo de casamentos. Um frenesi de casamentos. Casamento é alegria. É festa. E os casamentos de setembro mostrarão noivas felizes. A aspirar, com volúpia, o perfume das flores que enfeitam as igrejas. Porque, em setembro, terminado o inverno, principiando a primavera, as flores sairão da terra. Colorindo e alegrando o verde monótono e dorminhoco dos três meses de frio.

Frio? É outra coisa ruim que ficará para trás. Setembro é mês de ar quente. Perfumado. Morno. É o mês gostoso em que as boas donas de casa, com um suspiro de alívio, tiram os cobertores das camas. Põe-nos a apanhar sol. Enfeitando as janelas e os terraços dos apartamentos de toda a cidade. Sim! E depois de uma boa escovada, de uma vibrante sacudida, é a hora em que, a cantarolar, bem dobrado, carregado de bolas de naftalina, a dona de casa o enfia no canto mais escondido e remoto do armário. Até o próximo ano.

Próximo ano? Está longe ainda. Vamos aproveitar o resto deste que vai correndo. Principiando por aproveitar as belezas do mês de setembro.

Belezas de setembro? Que belezas são essas? São as belezas de um mundo que se redesperta. No colorido das flores. No canto dos pássaros. Na alegria esperançosa dos homens.

Sabe-se que tudo continuará tão ruim quanto antes. Não há indícios de melhora no viver quotidiano de cada pobre cristão brasileiro. A propaganda eleitoral recrudescerá. Azucrinando-nos os ouvidos. Cansando-nos os olhos. Deixando-nos mais descrentes que nunca. o cruzeiro continuará a cair. O feijão subirá. Ou sumirá. Como sumiu o leite porque o obrigaram a descer. Uma interrogação política continuará a bailar no ar. Sempre refortalecida por ilustres homens que, por maldade ou burrice pura, em lugar de abaixar o fogo, jogam suas pitadas de bicarbonato no caldo que fervilha grosso. Sim! Setembro, mês bonito de início de primavera, nasce hoje no mesmo turbilhão de danação, agonia e desesperança de nossa época.

E, no entanto, uma pequenina chispa de alegria brilha nos olhos de todo o mundo. Ombros mais erguidos, livres de um peso extra, caminham sobre pernas mais ágeis. Mais lépidas. Menos sobrecarregadas.

Por quê? Por que esse desafogo se tudo continua sua marcha pessimista?

É que setembro chegou.

E, para ser integralmente verdadeira, não é tanto pela chegada de setembro. E sim pela saída de agosto.

É por agosto assustador ter terminado que todo mundo anda mais leve. Menos apreensivo. Sei que ninguém é supersticioso. Mas que é bom poder dizer "ciau, agosto!", é. É ou não é?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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