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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 199)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 24 de agosto de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

A XV com chuva

Lydia Federici

Poderia não ser a rua XV. Qualquer uma do centro da cidade serviria para palco destas cenas. O espetáculo, quando chove, é representado em qualquer um das centenas de passeios citadinos. Em qualquer trecho de qualquer rua larga ou estreita. Macadamizada, asfaltada. Ou emparalelelipada. Como a queixa partiu, entretanto, de um comissário de café que palmilha, diariamente, com todo o orgulho, uma das ruas mais famosas do mundo, caminhemos até a Rua XV de Novembro.

É uma rua feia. Não tem beleza de reta. Muito menos graça de curva. É quebrada. De asfalto remendado. Encorcovado como lombo de camelo. Seus passeios são estreitos, sujos, gastos e soltos. Mas com sol, a rua chega a ser bonita. Fica dourada. Com a mesma alegria do ouro do café vendido. Com a mesma euforia dos sorrisos que se estampam nos rostos dos felizardos que fecharam um bom negócio.

Mas quando chove, a Rua XV perde a luz. O mais otimista de seus frequentadores empalidece, murcha, some. A rua escurece. Acinzenta-se. Enlameia-se. Não há rodas a discutir diante das portas dos escritórios. Não há ombros displicentemente encostados às grades dos bancos. Só alguém, muito distraído, pararia diante da Bolsa de Café. Por que? O café parou? O café acabou? A Bolsa fechou? Não. Ainda não, felizmente. Acontece apenas que a Rua XV, com chuva, é pedestremente intransitável. Não serve mais como sala de visita. Para conversas políticas, sociais ou futebolísticas. Nem é escritório aberto para discussão de negócios.

Com chuva, a XV é charco. A água que cai, limpa, escorre em filetes empoeirados, sujos. Junta-se nas depressões. Até formar volume para cair nas bocas da galeria de águas pluviais. Que, coitadas, não drenam grande coisa. E a XV vira rio manso. Pardo como os canudos que seguram as amostras do café. Quando passa um automóvel, sua simples aproximação faz qualquer um pular apressado para a primeira porta aberta. Em balé apressado. Porque o esguicho enlameado acontece.

"Vão reformar a João Pessoa. Os comerciantes concordaram em pagar o recalçamento. Por que não fazem isso também com a Rua XV? É uma vergonha. Estrangeiro vê, fotografa, filma a Rua XV. É a rua de que sempre ouviram falar. Bela coisa vão ver se aqui aportarem num dia de chuva. Se pararem diante da Bolsa. Qualquer 'quatro rodas' lhes dará um banho de lama".

É. A XV é a Rua XV. A rua onde ainda está a maior Bolsa de Café do mundo. A rua mais rica do Brasil. A que podia vestir-se de ouro. E, no entanto, aí está ela. coberta de água suja. Cheia de sulcos e depressões. Com estreitos passeios de ladrilhos gastos e soltos. Num descuido perigoso. Num relaxamento imperdoável.

Parece-me que o remédio já foi indicado. A João Pessoa abriu o caminho. Por que a mais famosa rua de Santos não se une para poder apresentar-se de vestido novo? "Noblesse oblige".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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