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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 198)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 23 de agosto de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Escola de vidro

Lydia Federici

Está aí na Ponta da Praia. Entre o balão dos bondes e o "ferry-boat". Plantada a cinco metros de recuo da Avenida Saldanha da Gama. Desconhecida do grande público que procura os clubes de regatas. Ou que, descendo dos bondes, se atreve, num esforço de esbaforir, a chegar até o pontão dos Práticos. Pra ver navio passar. Quase a toque de mão.

Só a conhece, de passagem, quem vai de carro, na chispada, rumo ao Guarujá. Ou as econômicas donas de casa que fazem questão de comprar peixe numa das vinte peixarias, lá no fim da avenida. E só. Sem contar, é claro, a gente que mora quase sobre o mar da Ponta da Praia. Uma ilustre desconhecida é a escola de vidro!

E, no entanto, que beleza aquela fachada de vidro deixa transparecer! É a visão real de uma escola e trabalho especializado. E, para os que têm olhos na imaginação, uma antevisão do Brasil de amanhã.

Você lembra, meu amigo, seu tempo de escola? Havia janelas para a rua? Janelas abertas, sem cortina, por onde, embora sentado, você pudesse derrubar os olhos para o movimento externo? Fugindo da chatice da aula de português? Despertando da sonolência morna da repetição da tabuada? Pois sim!

Pois o Senai, praticamente, está encostado à rua. No seu mesmo nível. Não tem cortina por razão óbvia. Falta de janelas. Toda sua frente é um paredão de vidro. Vidro transparente. Limpo. Sem um grão de poeira. E é essa transparência vidrada que separa sua curiosidade do trabalho e da aprendizagem de 300 meninos e rapazes. Nada mais. Que acontece?

Do lado de fora acontece muita coisa. Por exemplo. Você está flanando e os guris, saltitantes no banco de trás de seu carro, descobrem as máquinas coloridas. Um bracinho gordo aperta seu pescoço. Outra mão vira sua cabeça.

"Paiê. Pála um pôco. Que é atilo?" Você, pai obediente, para. E olha. Uma dor fina mas gostosa aperta a boca de seu estômago. Aquilo é a escola que, no seu tempo, você gostaria de ter frequentado. Para aprender a fazer barcos. Para aprender a consertar o velho Ford bigode da família.

Com os filhos, você também chega até a parede de vidro. Os tornos zunem baixinho. As serras espalham poeira dourada. Um painel se ilumina. Rapazes de macacão azul brincam, felizes, com tudo aquilo. Tão entretidos, tão absorvidos pelo trabalho que nem percebem as sombras curiosas do lado de fora.

Sim! Do lado de fora, apesar do pouco movimento, sempre há alguém curiosando, admirando, invejando o movimento colorido da escola de vidro.

E do lado de dentro, por mais incrível que pareça, nunca acontece um bocejo,um desvio de olhar, um desinteresse, momentâneo sequer, do trabalho que os meninos estão aprendendo a executar. A rua, o movimento da rua, a gente da rua, são coisas inexistentes. Para aqueles futuros técnicos em eletricidade, em mecânica, em carpintaria naval, só existe o trabalho absorvente da aprendizagem. Se duvida, faça a experiência. Vale a pena. Fortifica-nos a fé!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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