GENTE E COISAS DA CIDADE A menina magra
Lydia Federici
Não era a primeira vez que Tereza a via passar pela rua. Quantos anos teria? Como descobri-lo se um vestido, de babado
no busto, escorria-lhe, largo e liso, até o meio das canelas? Podia ter doze, até mesmo quatorze anos. Às vezes, tinha atitudes de mocinha. Mas perdia-se também, como criança, a olhar brincadeiras de crianças.
Passava junto aos muros. Caminhando devagar com suas longas pernas. Tímida, seguia de olhos baixos se alguém a observava. Mas livre de olhares, curiosava casas e jardins.
Uma manhã, Tereza apareceu no portão no instante em que a garota por ele ia cruzar. A menina assustou-se. Parou. Tereza viu, de perto, a carinha pálida. Os olhos grandes cheios de susto. Sorriu-lhe. A menina baixou a cabeça e continuou a andar.
Mas, desse quase encontrão, surgiu uma espécie de conhecimento. Um elo de simpatia. A menina sorria para a senhora que lhe sorria. E Tereza, ao vê-la, sentia um aperto no coração. E uma vontade cada vez maior de ajudar a menina magra de vestido de
babado e carinha de fome.
E, num dia em que a moça chegara até o portão para ver os dois filhos mais novos que saíam para a escola, a coisa aconteceu. A visão de sua menina, forte, de pernas gordas, cruzando a magreza escanifrada da carinha de fome, pôs uma frase de
interessada ternura na boca de Tereza. E, desse dia em diante, a menina magra, religiosamente, recebeu o seu almoço.
Às onze em ponto, quando Tereza fazia o prato dos filhos, a menina alta, aparecendo, encolhida, na porta da cozinha, recebia o seu também. Que comia como só os que passaram fome sabem comer.
Uma saia usada e duas blusas meio desbotadas da filha mais velha de Tereza passaram, num embrulho, para as mãos compridas da menina magra. Que recebeu o pacote com ar meio desconfiado. Comida e outras coisas também? Davam-lhe assim, sem mais nem
menos? A menina agradeceu mas ficou de pé atrás.
Houve um dia em que a menina magra não apareceu. Tereza ficou preocupada. Que teria acontecido? Mas no dia seguinte, às onze, a carinha de fome, com os olhos temerosos, surgiu na porta da cozinha. Por que não viera ontem?
"Minha mãe ficou doente. Não saí". E agora estava melhor? Estava. Mas ainda continuava na cama. Tereza fez-lhe o prato. Reforçado. A garota recebeu -o e ficou com ele no colo. Olhava-o sem decidir-se. A moça compreendeu. Pensou um instante, olhando
para as panelas.
"Coma, minha filha. Depois, se você quiser, faço outro prato pra você levar para sua mãe". A menina magra sorriu, ressabiada. E começou a mastigar. A contar daquele dia, Tereza servia almoço para duas pessoas extras. O marido quando soube, sacudiu
a cabeça. Zombava da nova fornecedora de marmitas. Mas não a proibiu de fazê-lo.
Um belo dia o almoço atrasou. A menina magra chegou e Tereza ainda rodava na cozinha. "Olhe. Enquanto espera, quer dar uma varridinha aí no quintal?"
Bem que ela desconfiara. Queriam explorá-la. Sumiu. Nunca mais apareceu.

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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