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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 194)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 18 de agosto de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Espada de São Jorge

Lydia Federici

Dona Angela estava furiosa. Positivamente furiosa. Tão furiosa que chegava a gaguejar. E não era para menos. Qualquer outra pessoa, que tivesse um pouco de amor pelas suas coisas, ficaria nas mesmas condições.

O caso é o seguinte: todo ao correr do terraço envidraçado, uma jardineira de pedra tinha sido plantada com espadas de São Jorge. Vocês conhecem essa planta. É o que há de mais comum por aqui. Toda casa, todo vaso de apartamento, qualquer canteiro de praça, tem a sua espada. O tipo preferido é a que lembra a nossa bandeira. Verde e amarela. Só que os tons são diferentes. Mas que é uma planta patriota, é. Dura e empertigada na sua haste forte. Resistente. Precisando de pouca rega. Vivendo quase sem terra. Por ser bonita, original, profundamente ornamental; e, mormente, por se arranjar sozinha, sem pedir cuidados especiais, a espada é o que há de mais comum aqui em Santos. Todos a possuem. Ninguém lhe dá muita confiança. Não desperta a cobiça de ninguém.

Daí o esparramo que dela se faz.

Pois bem. A jardineira do terraço envidraçado começava, continuava e acabava com espadas verde-amarelas.

Uma bela manhã, na frente do jardim, alguma coisa estava diferente. O maciço colorido havia sumido. Uma ou outra haste quebrada ainda permanecia de pé. Flagelada, maltratada, truncada. Mas orgulhosamente de pé.

Aí dona Angela estrilou.

"Quem... quem... quem foi o bandido que fez isto? Que malvadeza! Se levassem o vaso do antúrio, vá lá! Antúrio vale dinheiro. Mas espada? Todas as minhas espadas. Que vale uma espada? Quem terá sido esse ladrão vagabundo?"

Que é que a gente podia responder? Sentir pena. Dar razão à dona Angela. Achar que, de fato, aquele roubo era obra de ladrão muito vagabundo mesmo. Roubar espada é o mesmo que roubar grama. Ou capim Que vale uma espada? Devia ter sido coisa de moleque.

Isso aconteceu há bastante tempo. Muitas outras casas foram aliviadas de suas comuns e ornamentais espadas de São Jorge. Todo mundo se queixou. Não tanto pela perda. Que não era grande. Mas pelo desaforo. Pelo estrago. Pelo trabalho que toda dona de casa zelosa teria em replantar seu jardim, suas jardineiras, suas miscelâneas.

Nesta semana, só nesta semana, dr. Armando me forneceu a razão dos roubos. Os jardins e canteiros públicos da cidade também são aliviados, esporadicamente, de suas espadas. Em certas épocas há um surto de roubos. Quando falta o artigo, os espertos calam a consciência e passam as mãozorras em tudo quanto é verde e amarelo, em forma de espada.

Que fazem com elas? Vendem-nas no cais. Aos tripulantes e passageiros de navios franceses, italianos. Até argentinos. Vendem-nas por um dinheirão.

Não é chique saber, dona Angela, que suas espadas estão na França?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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