GENTE E COISAS DA CIDADE Uma cascata
Lydia Federici
Quem vem pela Anchieta, ao largar a estrada para entrar na cidade, dana-se com o esburacamento da rua e desilude-se com
a paisagem. Se olha para a esquerda, é a escuridão suja do muro da estrada de ferro. Se põe os olhos à direita, rochas escarpadas, ilhadas de mato, oferecem-lhe um quadro de abandono. Pouco além, o casario pobre, que se encarapita nos morros
seguintes, talvez dê um pouco de cor à entrada da cidade. Mas é um colorido de pobreza. Que não alegra. Só deprime. Entristece.
Pois bem.
Numa das encostas de rocha, vai ser criado um jardim de pedra. Com água a cascatear lá do alto. Caindo de vasca em vasca. Formando, aqui em baixo, um córrego. Com água a saltar de patamares de pedra.
Dizer o que vai ser essa cascata é coisa meio difícil. Pelo que já foi feito, de início, é fácil prever o futuro do lugar. Será uma das coisas mais bonitas de Santos. Um recanto de água a tombar e de plantas a subir. Ou a despencar das rochas quase
a pino. Será um palco colorido. Com leques de folhas a balançarem-se. Com frescura de água a rebrilhar nas paredes rochosas. De dia, o sol dourará o anfiteatro. À noite, refletores mostrarão o maior e mais impossível "rock garden" do mundo. Porque,
meus amigos, deixando a modéstia de lado, é exatamente isso o que ele vai ser. Um jardim de pedra impossível!
Aos que dispõem de automóveis, recomendaria, numa meia hora de folga, uma chegada até o local. O difícil será estacionar o cargo na movimentada avenida. Larguem-no um pouco além. No largo do Saboó. Aos pedestres também gostaria de indicar o
passeio. Principalmente em horas de trabalho. Das oito às onze. Das 14 às 17 horas. Por que?
Por uma razão muito simples. Para que se veja o que está sendo feito. Para que se fixe o panorama atual. Para depois poder valorizar a beleza da obra. O impossível que o homem possibilitou.
É um paredão quase a prumo. De rocha viva. Talhada, há tempos, por cargas de dinamite. Forma uma reentrância de uns cento e cinquenta metros de comprimento. Nessa parede com, aqui e ali, ligeiras anfractuosidades, forma-se um jardim. Mas como?
Como? É de arrepiar. Prendem-se cordas lá no topo. Alto como os arranha-céus. Pelas cordas, verdadeiros alpinistas, descem os jardineiros. Trabalham só com uma das mãos. A outra está segura na corda. Arrancam as touceiras de mato. Adubam os
côncavos. Plantam dracenas, guaibês, trepadeiras. A rocha escura se colorirá. Criará vida bonita. Uma cascata despencará pelas pedras. Correrá encachoeirada aqui no plano. Quando tudo estiver pronto, daqui a alguns meses. Santos, famosa pelas
praias ajardinadas, terá o mais impossível "rock garden" do mundo.
Vá lá ver, minha amiga. Veja o trabalho dos homens. Deixe o coração palpitar à vontade. Lembre-se do que viu. Para orgulhar-se do que verá!

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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