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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 189)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 11 de agosto de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Um ponto antes

Lydia Federici

Como aconteceu, talvez não haja ninguém que consiga explicar. O caso é que, sempre, na cidade, se pôde tomar o bonde uma parada antes do ponto final. Às vezes, até dois pontos antes. Sem pagar passagem extra, bem entendido.

Quando a City era dona dos bondes, os motorneiros portugueses, embora ninguém tivesse apartado a campainha para descer, sorriam, de longe, para os que se agrupavam no penúltimo ponto. Sorriam e brecavam o veículo. Esperavam todos se acomodarem. E sem pressa nem retinir de campainhas, tocavam os bondes cor de ferrugem avinhada, para a Praça Mauá. Para a Rui Barbosa. Ou para a dos Andradas.

Depois que o serviço de transportes coletivos passou para a autarquia, a cômoda tradição continuou. Pensaram em modificar o sistema. Houve grita. Desistiram da ideia. Afinal, não havia grande prejuízo. Por que se haveria de ir contra o hábito de todo um povo? Aqui, ou cem metros mais adiante, a diferença não existia. E, se existisse, só serviria para beneficiar a boa ordem e presteza do serviço. Daí, em Santos, o ponto final da linha ser sempre, para os que iniciam viagem, uma parada antes. Que é que tem?

Acontece que o ponto final de cinco linhas passou, há tempos, com a modificação do trânsito, a ser a Rua Frei Gaspar, esquina da São Francisco. Os bondes vêm pela Amador Bueno, viram a Frei Gaspar na sua última quadra e "ponto final". O penúltimo ponto é, portanto, na Amador Bueno. E é ali que, da manhã à noite, enquanto circulam bondes, todos os passageiros se reúnem para o assalto aos elétricos. Ninguém caminha até o ponto final. Bobagem. Por que gastar sola? Ali, em frente da mercearia, é que está bom. Principalmente quando as maçãs argentinas cobrem, com seu perfume, o cheiro da gasolina e do óleo.

Acontece que a gente que ali espera sua condução mora no Mercado, na Nova Cintra, no Campo Grande. É, em geral, gente modesta. Cansada do trabalho. Com feijão no fogo. Filhos a traquinar pelas ruas. Daí sua pressa. Sua impaciência.

Acontece, porém, que alguns dos bondes são fechados. E, obedecendo a ordens superiores ou por deliberação própria, os cobradores dos fechados não abrem a porta traseira. Ora. Tradição é tradição. Hábito é hábito. Que novidade é essa? Desde quando não se toma bonde um ponto antes?

E sai barulho.

"Vai abrir ou não vai?" gritam os que se sentem logrados. Guarda-chuvas batem na porta corrediça. Punhos irados retumbam sua irritação contra a lata barulhenta. Parece começo de revolução. Mas não é nada, não. Apenas raiva a explodir contra uma medida que o povo não quer entender. E, por fim, quando o bonde faz a curva, impassível, começa toda uma grande correria rumo ao ponto final. Correria, resmungos e impropérios em bom português.

E assim está a coisa. Para os não interessados, a cena tem sua graça. Mas para o cobrador e para os que se veem obrigados a correr... que desgraça!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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