GENTE E COISAS DA CIDADE Alfinetes
Lydia Federici
A moça entrou na loja de fazendas. Um caixeiro com sotaque do Norte, muito solícito, atendeu-a. Desejando-lhe bom dia.
Colocando-se às suas ordens. Ela explicou-lhe o que queria. Ele levou-a para um balcão, lá no fundo da loja.
Surpreendentemente, a escolha foi fácil. Na verdade, nem foi preciso revirar prateleiras. A fazenda estava sobre o balcão envernizado. Era exatamente o que lhe convinha. E o preço? Muito razoável também.
Pediu quatro metros. Ficou olhando a medição. Que caixeiro escolado estica a fazenda sobre o metro de madeira. Muda os dedos como prestidigitador. E no fim, em casa, quando se medem os quatro metros, eles estão reduzidos a três e noventa. E não há
mulher que aceite, com um erguer compreensivo de ombros, o ser enganada. Mormente em coisas assim tão sem importância.
Medida e cortada a fazenda, o rapaz perguntou que mais iria ela ver. Lençóis? Flanelas? Estampados? Retalhos? Camisas muito em conta? Sed... Não. Nada mais. Só aquilo. Podia tirar a nota.
Ele procurou o talão. Endireitou o carbono. Deu um giro com o lápis no ar e espetou a ponta no papel. Escreveu com rapidez e letra bonita. Marcou o preço unitário. Nas costas da nota anterior, fez as contas. Tirou a prova dos nove. Depois de
desenhar os algarismos, arrancou a folha que, com um inclinar de cabeça, entregou à moça. A cópia arrancada ele juntou à fazenda dobrada, esperou que a moça, agradecendo-lhe, se afastasse, e sumiu em direção do empacotamento.
Na caixa, a compradora estendeu a nota de compra e outra nota cinzenta à moça sonolenta encolhida atrás do vidro. Quatro notas muito sujas foram empurradas como troco. Faltava dinheiro. Duas manolitas ou uma nota de dois cruzeiros. Não era nada.
Mas era o certo. Sem dizer nada, ficou à espera. A caixa pôs a mão numa divisão da gaveta, pegou alguma coisa e atirou dois alfinetes sobre as quatro notas esfrangalhadas. Agora estava certo!
***
Deus! Que é um alfinete? Uma pequena haste pontiaguda de metal. Que serve para pregar peças de vestuário. Prender santinhos de velha. Fechar bolso de matuto endinheirado.
Resolver problemas de mocinhas apressadas. Ou de rapazes que vivem sozinhos.
Alfinete foi inventado para isso tudo. Segundo as circunstâncias, deixa de ser usado para fins pacíficos e vira até arma de defesa. Ou de ataque. Mas que alfinete valha como troco, isso nem capeta descobriria. E, no entanto, pespegaram-lhe mais
essa serventia. Vale um cruzeiro, sim, senhor.
Passe é troco. Caixa de fósforos é troco. Bala é troco. Alfinete virou troco. É pegar ou perder dinheiro. Mas que a coisa está ficando grossa, está. Quem disse que santista é de briga? É nada. É de paz!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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