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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 185)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 7 de agosto de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Televisão

Lydia Federici

Fez a borboleta do ônibus rodar. Deu uma corrida barulhenta até o primeiro banco todo livre. Sentou-se ao lado da janela. Ficou esperando a mãe chegar. Enquanto isso, acomodava, com maestria, as pregas da sainha de lã.

A paisagem da praça Mauá não a interessou. Seus olhos escuros, cheios de curiosidade, pulavam de passageiro a passageira. Divertia-a o afã das senhoras à procura de um lugar livre. E limpo. A seu lado, a mãe, moça ainda, arrumava, sobre o colo, a bolsa grande. E toda uma série de pacotes e pacotinhos!

Foi quando o ônibus começou a andar que a menina inventou a moda. Cansada de vera coisas imóveis, virou a cabeça loura para a vidraça. Como seus cinco ou seis anos ainda não lhe tivessem dado muita altura, sentou-se, espichadinha, pescoço comprido, na beira do banco. Sua mão bateu no vidro. Experimentou, ponta dos dedos muito brancos, descê-lo.

"Mamãe. Quer baixar a janela pra mim? Quero ver lá fora". Seus olhos risonhos, muito cariciosos, pediam o favor com confiança. A moça olhou a rua que passava na corrida. Encolheu-se só de imaginar o frio da tarde encoberta. Sorriu para a garota. Abrir a janela para entrar aquele gelo?

"Olhe pelo vidro mesmo. Não se pode abrir isso, meu bem. Está fazendo muito frio".

A menina recolheu, desolada, o sorriso pedinchão. Investigou toda a superfície do vidro empoeirado. Voltou, com as duas mãos, a forçá-lo para baixo.

"Mas assim não vejo nada, mamãe. Abre a janela pra mim". Já não pedia. Exigia. A moça franziu a testa lisa. A menina olhava-a com um ar de impaciência. Sacudindo os cabelos louros. Balançando as pernas que agitavam todo o corpo pequenino. A mãe pousou a mão sobre o braço agasalhado da garota. Apertou-o ligeiramente. Sua cabeça curvou-se um pouco sobre o rosto exigente. Falou baixo. Mas com firmeza.

"Mamãe já disse que não se pode abrir a janela. Está fazendo muito frio. O vento que vai entrar vai fazer mal a você. Vai desmanchar todo meu cabelo. E - lançou um olhar rápido sobre o ombro - vai desmanchar o cabelo de todas as moças que estão aí atrás. Entendeu? Entendeu bem? Não vou abrir esse vidro!"

A menina, olhos arregalados, fitava a mãe. Num desafio. Fez muxoxo. A moça olhava-a, procurando impor-lhe sua vontade. Com firmeza. Irredutível e severa. A mão segurava, implacável, o braço miúdo. A menina procurou soltar-se. Não o conseguiu. Vendo que ia perder, espremeu os olhos escuros. Empinou o nariz. Cresceu em arrogância. E falou, destacando as sílabas:

"Mamãe! Estou vendo que vou ter um atrito com você!"

Pois é, Iná. Televisão é isso.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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