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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 177)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 28 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Dez por cento de agrado

Lydia Federici

Não sei de que matéria são feitos todos os homens. Acredito que da mesma. Partindo desse princípio, suas reações serão as mesmas. É claro que há exceções. Deixemos, entretanto, estas fugas à regra geral, de lado.

Vamos supor que alguém saia de Santos. Não. Não saiamos daqui. Fiquemos por esta cidade mesmo. Que à crônica, devido ao título, não são permitidas viagens por outras terras.

Suponhamos, então, que aqui mesmo, um senhor receba uma encomenda de sua senhora. Impossibilitada, no dia, de sair.

"Hoje, a Cíntia faz anos. Você não quer passar numa loja e ver uns lencinhos bordados? Ora. Em qualquer loja da Praça Mauá exigem lenços, meu filho. É só chegar e pedir".

Você, meu amigo, não entende de lenços bordados. Mas concorda, interiormente, que é preferível comprar três lenços a ter que ouvir o discurso de sua eterna companheira. Ou o discurso eterno de sua companheira. E então, vai. Contando com a cooperação de uma caixeira gentil.

Entra na loja. Vasculha, com os olhos, os balcões. Descobre o dos lenços. Aproxima-se. A vendedora, vendo uma sombra masculina, ergue os olhos e sorri. Se fosse de saia, a sombra, ela não se incomodaria. Continuaria a atender a freguesa. Que escolhe, escolhe, e nada decide. Mas, para você, ela sorri. Faz mais. Diz que já vai atendê-lo. Um minutinho só. A freguesa anterior consegue, por fim, decidir-se. A caixeira, imperceptivelmente, suspira e volta a sorrir-lhe. Como a dizer-lhe: "Pronto. Estou quase às suas ordens". Pega um lápis, o talão, e escreve.

"A senhora não é de Santos, pois não?" E antes que a outra balbucie que é de Santa Rita do Passa -Quatro, o lápis anota, simpaticamente, dez por cento de desconto. "É uma gentileza da casa para com os visitantes". É isso que ela explica à santarritense agradavelmente admirada. Que pensa: "Mas que gente mais simpática. Preciso contar às outras do hotel".

Pronto. Chegou sua vez, meu senhor. A caixeira compreende seu caso. Escolhe uns lenços de sonho. Pergunta se é só. Você encaixa mais um. Para sua senhora. Em pacote separado, é claro. Ela tira a nota. Você pigarreia e sente vontade de dizer que é de... de Bauru. Mas como? Então ela não vai perceber, pelo oliváceo de seu rosto, que você é produto do mar? E não da montanha? Mas, antes que você minta, a moça diz: "Em temporada, estamos brindando nossos fregueses habituais com dez por cento de abatimento".

Você não é freguês habitual. Mas ficará sendo. Porque gentileza assim merece ser retribuída.

***

Temporada, em julho, pifou. Dizem que por causa do mau tempo. Acredito. Mas, grande responsável pelo retraimento de visitantes é essa falta de dez por cento de agrado. Que não estamos sabendo dar aos que nos procuram. Ninguém gosta de ser escorchado. Todos apreciam uma pequenina atenção.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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