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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 176)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 27 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Frio

Lydia Federici

Um frio desagradável pegou a cidade desprevenida. Todo mundo treme. O que é humano. Mas sem recursos para liquidar a tremedeira. O que é, positivamente, uma desumanidade.

Santos não é cidade de frio. Nunca o foi. Inverno, aqui, nos últimos tempos, se chegou a aparecer, foi frio vagabundo. Passageiro. De chegar e sumir. Prova-o a casa santista. Sem lareira. Sem aquecimento. Prova-o o guarda-roupa do santista. Que só tem coisa leve. E curta. Roupa de verão. Clara e ventilada. Qual o cidadão que, ao lado da coleção de 'shorts', possui um sobretudo? Qual a senhora que esconde, no armário, um belo e quente casaco comprido? Bobagem. Despesa inútil. Em Santos só faz calor. E, para o seu frio, um blusão, um casaquinho curto, chegam bem. Em matéria de agasalho, a única peça abrigadora, longa, é uma capa. Para a chuva. Só.

Mas o frio bateu na cidade anualmente quente. E a cidade, desprevenida, sofre. E envereda por um destes dois caminhos: tendo dinheiro, vai a São Paulo, procurar agasalhos próprios. Não tendo, fica tiritando. Reando pro frio ir embora. Mas por que razão, na primeira hipótese, mandar os endinheirados para São Paulo? Para desviá-los das lojas citadinas? Ué! Loja da cidade também anda desprevenida. Não tem meias compridas de lã para senhoras. Nem casacos compridos de todos os preços. Nem sobretudos. Nossas lojas são casas comerciais de verão. Encher as prateleiras com agasalhos de polo Sul para que?

O frio está aí. Instalou-se entre os morros da baixada. Parece ter descoberto a beleza disto tudo, o grande miserável. E não vai embora. Por mais que um sol radioso tente enxotá-lo.

Andando à toa, a gente vê como a cidade está mal prevenida para a estação outrora tão amena. Manhã escura, ainda, operários saem para o trabalho com o paletó de gola levantada. Ou então, com calça e brim e um pulôver coçado. Comerciárias, enregeladas, passam sem meias. Ou com meias de nylon. Desfiadas. Uma saia curta. Um casaquinho de malha. Luvas ninguém usa. Os homens enfiam as mãos nos bolsos das calças. E mãos, pobres mãos tristemente manicuradas, aquecem-se sob os braços. Algumas crianças têm as pernas finas escondidas por rancheiras de brim. A maioria, nos bairros, anda de 'short' desbotado. Com uma camisa de flanela rala. Ou um coletinho de malha de algodão. Que lhe deixa os rins descobertos. Ou cotovelos à mostra.

O frio do Sul subiu. Atingiu o nosso trópico. Plantou-se, teimoso, por estas plagas. Como combatê-lo? Como defendermo-nos? Nas camas pobres não há cobertores. Nas gavetas, não há roupas de lã. Não há, nos estômagos, alimentação própria. Capaz de produzir muitas calorias. Bah! Que desgraceira.

Até quando irá o frio deste inverno? Até outubro, como dizem?

Não. Não é possível. Não há algo de errado nisso tudo? Será que, sem percebermos, Santos foi atirada lá para o Polo Sul?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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