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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 173)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 24 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Férias de estudantes

Lydia Federici

Falam, falam. Falam muito dos moços de hoje. Nesta época de férias, então, o falatório recrudesce. Porque mocidade em férias, sem obrigação nenhuma, inventa o diabo para encher o tempo. Fala-se da mocidade que dança. Dos moços que bebem. Dos desrespeitosos que espalham pó de mico na igreja. Dos que tumultuam sessões cinematográficas. Dos que correm e berram pelas madrugadas. Dos que, gastando sem parar, reclamam, em grupo, contra dirigentes venais e ladrões.

Falamos, sim. Falamos demais, atualmente, dos moços desregrados de hoje. Que se formam sem estudar. Que se empregam sem produzir. Que arranjam dinheiro vindo não se sabe de onde. Recebido a troco de não se sabe o que.

Mocidade de hoje? Jovens inúteis, arruaceiros, fúteis. Sem Pátria e sem Deus. Egoístas, ávidos de prazeres fáceis. Cultores de um ideal distorcido. Veja esta, meus amigos. De rapazes de hoje. De jovens de uma escola de aprendizagem industrial. O Senai da Ponta da Praia.

A escola - porque é uma escola - havia recebido uma encomenda especial. Armários. Uma série igual de armários. Prontificara-se a fazê-los. A entregá-los com pressa. Era coisa que podia ser feita. E que seria feita porque o pedido era de ordem muito especial.

Não eram armários desses comuns. De dois ou três corpos. Eram peças conjugadas. Grandes. Cômoda, sapateira, armário, mesa de cabeceira, mesa de estudo, tudo unido. Num só móvel cujo fundo serviria ainda como reposteiro. Para divisão de ambiente. Coisa complicada e trabalhosa.

A encomenda era grande. Mais de cinco dezenas. O trabalho foi começado. O instrutor, supervisionando, medindo, explicando. Os alunos, nas horas de aula, serrando, encaixando, lixando, montando. Desmanchando e tornando a fazer. Pondo em prática o que já haviam aprendido num ano de estudos. Aperfeiçoando pequeninos truques de carpintaria. Aprendendo coisas novas. Que os faziam franzir a testa suada.

Mas as férias de meio de ano iam chegar. Uff!... Férias são férias. A melhor coisa do mundo. Principalmente para estudantes. Que, bons ou maus, as aguardam com sofreguidão. E a encomenda? O diretor da escola pensou um pouco. Compromisso é compromisso. Mas férias também são férias. E daí? Os rapazes estavam no trabalho, num dos últimos dias de aula. Não eram muitos na seção. Todos garotos humildes. O diretor olhou-os. E criou coragem. Ouviram-no com atenção. Olharam-se. Um deles, de lixa na mão empoeirada, falou:

"Não vou fazer nada nas férias. Posso vir trabalhar nos armários".

E foi assim que seis rapazes desistiram das férias. Nos vinte dias de folga, foram trabalhar. Oito horas por dia, sim senhor. Sem discutir direitos. Sem esperar remuneração. Ofereceram-se com amor. Trabalharam por amor. Porque os armários eram para a "Cidade da Criança".

Mocidade de hoje é assim também. Que Deus a abençoe.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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