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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 169)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 19 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Pontes

Lydia Federici

Iam os dois rapazes rumo à praia. Um moreno. Outro loiro.

"Sei, Vitório. Não vi mas sei que são célebres as pontes sobre o Sena. Ouvi falar também nessa ponte de Firenze, como você diz. As de Veneza devem ter muita arte e poesia. Não discuto. Mas, pra mim - e o moreno espetou o dedo no peito do loirão corado -, a melhor ponte do mundo é aquela lá. Onde a Celita está me esperando. Ciáu, Vitório".

Que ponte era aquela? Santos não tem pontes. A única ponte de Santos fica em São Vicente. Engano. Há dezenas de pontes por aqui. Talvez quase uma centena. Acontece que são tão anônimas que ninguém dá por elas. Não há santista que, mexendo-se dali pra cá, não atravesse uma ou algumas de nossas despersonalizadas pontes.

Onde se escondem? Não se escondem. Confundem-se apenas com o resto da paisagem. Com as ruas. Com as avenidas que margeiam os quase entupidos e os malcheirosos canais que secaram esta parte outrora alagadiça da ilha em que vivemos. São tão impessoais e sem atrativos as coitadas, que quase ninguém perde tempo prestando atenção às pontes da cidade. Tanto que, de supetão, qualquer santista juraria que aqui não há disso não.

Mas os vagabundos gostam delas. O parapeito de cimento das pontes largas é um bom banco. O cano de ferro das estreitas, embora banco incômodo, é encosto providencial. Para costas cansadas. E pernas vadias e andarilhas. Moleques também as apreciam. Ficam a jeito para a pescaria dos peixinhos dos canais limosos. Quem mais sente um pouco de atração por essas obras modestas e incolores? Ninguém. Só servem mesmo para serem atravessadas. Nenhum artista de nenhuma delas se lembrou.

Mas que elas existem, existem. E dão que falar. São discutidas, sim senhor. Embora internamente. Há dias, por exemplo, dois operários da Prefeitura danaram-se a discutir. E o assunto foi uma ponte. Uma pontezinha de canal, que outras não há. Um deles usava uma vassoura. O outro, um carrinho de recolher lixo. Tinham acabado de limpar um lado da avenida e foram para a ponte. Para passar para o outro lado, logicamente. O da vassoura, na frente, passou. Ia passando quando o companheiro o chamou.

"Ó flauteado. Não desconfia não?" O carrinho empacara entre as duas colunas de cimento da ponte estreita. Deram-lhe um bom safanão. Não passou. "Entra com ele de banda que dá". Não deu. "Desmonta o desgraçado". "E tu ajuda a desmontá? E a carregá depois?" Não desmontaram. A outra ponte, a larga, ficava a meio quilômetro. Foi por lá que o carrinho passou. Levado pelos dois que pitavam, cuspiam e discutiam: "Isso não é ponte, Dalécio. É pinguela".

Em contraposição, numa ponte larga, um pai de família afobado, com duas mãos e cinco filhos irrequietos, não consegue atravessar. "Mas Cristo! Quem se mete nesta confusão? Pra que fizeram esta joça tão larga?"

Essas são as pontes e Santos. E mais houvesse.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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